CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

DIMENOR - menino de rua

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Jesus, o craque

(Óscar Fuchs)


Que saudades das entrevistas do antigo futebol. Os técnicos analisavam o posicionamento de seu time e do adversário, os jogadores diziam como estavam jogando... Ah, que saudades! Hoje, basta verem um microfone em baixo do nariz para saírem exortando os feitos de Jesus. Não que eu seja herético, que condene a religiosidade das pessoas, que não torça por Jesus, mas quando ligo o radinho, tudo o que consigo saber é que Jesus está jogando bem.
Jesus está em campo um dia sim, o outro também. E eu pergunto: como conseguiu ter contrato com tantos clubes? Isso não é proibido pela FIFA? Outra coisa que me irrita é o descaso dos técnicos para com os ouvintes: por que nunca colocam Jesus na escalação divulgada antes da partida? Técnicos, preparadores físicos, jogadores, todos reclamam da grande quantidade de jogos, de que não há preparo físico e psicológico que suporte uma carga tão intensa, mas o que dizer de Jesus!?
O jogador sai de campo e o repórter corre até ele:
— E aí, Pitico, o que está achando da partida?
— Tá boa, disputada, mas Jesus tá do nosso lado e temos muita fé em Jesus.
— E o gol?
— Pois é, Jesus colocou aquela bola no meu pé e aí foi só empurrar pra dentro.
Constato três coisas: primeira, que Jesus optou por jogar no mesmo time do Pitico; segunda, que o time do Pitico está jogando com um a mais; e, terceira, que Jesus é um ótimo lançador, um craque do meio-campo! Talvez Jesus entre tanto em campo porque, afinal, Deus, o pai, é brasileiro e o esporte preferido de Seu filho não poderia ser outro: futebol.
O que provoca essa falta de informação sobre o jogo em si? Seria a grande quantidade de Atletas de Cristo que se espalham pelo país? São orientados a falar muito de Jesus, a citar o nome de Jesus sempre que tiverem oportunidade? Tudo bem, mas e o futebol? É pra isso que eu ligo o rádio!
Termina a partida e o mesmo repórter corre para Pitico:
— Ô, Pitico. Que confusão no segundo gol, hein? Afinal, quem foi o último a tocar na bola?
— Pois é, a bola ficou pipocando dentro da pequena área, mas surgiu a mão de Jesus para nos ajudar.
Constato duas coisas: primeira, que foi Jesus quem marcou o gol; segunda, que Jesus fez o gol com a mão... com a mão! Assim já é demais.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

DIMENOR - menino de rua



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Senso Comum

(Óscar Fuchs)

O filho prestou a prova pela manhã. Ao chegar em casa o pai, jornalista, sentiu-se gratificado e orgulhoso ao saber que a prova de interpretação de texto fora baseada em um texto seu. Convocou o filho para uma conferência das respostas.

— Não precisa, pai. Vão divulgar o gabarito hoje à tarde.
— E quem precisa de gabarito se tem o próprio autor do texto para conferir? — Alegou, presunçosamente.

O garoto fez um muxoxo de impaciência.
— Vamos lá. Traga a prova que eu confiro. Você lê as respostas e eu digo qual é a correta.

O menino trouxe o caderno de provas, atirou-se entediado no sofá e começou.
— No texto, o autor quer dizer...
— O autor sou eu. — Interrompeu o pai, com um sorriso arrogante.

O filho suspirou fundo, enfastiado, e recomeçou:
— No texto, o autor quer dizer que: resposta a) É melhor viver no interior; b) O homem do interior não tem cultura; c) Qualquer um pode ter sabedoria, mesmo não tendo estudo; d) A sabedoria é típica das pessoas do interior; e) Há preconceito quanto aos conhecimentos do homem do interior.

O garoto ficou olhando para o pai-escritor com o lápis na mão.
— Resposta “C”, na cabeça. Pode marcar aí.
— Acho que a resposta correta é a “E”, pai.
— Nada disso. Não vou saber o que eu mesmo quis dizer num texto escrito por mim mesmo? Resposta “C”.
O filho balançou a cabeça e marcou a "C", condescendente.
— Ta bem. Pergunta 2. Quando o autor...
— Eu! Há! Há! Há! — Interrompeu o pai com uma gargalhada.
— Quando o autor cita um "lúpem", ele está se referindo: resposta a) A um bandido; b) A um mendigo; c) A um louco; d) A uma pessoa à-toa; e) A um sábio.
— Essa é moleza, só espero que você tenha marcado a "B".
— Não, marquei "D".
— Mas, o que é isso? Logo você, o filho de um intelectual... e do próprio autor do texto, diga-se de passagem.
— Como é que vou saber o que você quis dizer com isso e aquilo? Por isso é que odeio interpretação de texto, a gente tem que interpretar o que eles acham que interpretaram.
— Nada disso, meu filho. Isso é importantíssimo para poder destrinchar textos e idéias. Os professores estão certos.
— Mas, pai, como é que eles vão saber o que você quis dizer? Por que eles é que estão certos?
— Ora, eles são professores. Para isso são professores!
— Mas "interpretação" não significa que cada pessoa pode ver de um jeito, com a sua interpretação?
— Senso comum, meu filho. Senso comum. Há sempre um senso comum. — Disse em tom professoral.
— Ta bem, pai.
— Vamos lá, próxima pergunta!

O filho pegou o caderno de provas irritado:
— Pergunta 3. O texto diz que...
— O texto é meu. — Reafirma o pai, com o indicador levantado.
— Eu sei, pai, eu sei!
— Só para constar. Continue.
— O texto diz que...

E assim continuaram pai e filho até o final da tarde, quando foi divulgado o gabarito.
— Gabarito? Ótimo, ótimo! Vamos ver! — Disse o pai mais entusiasmado e ansioso que o filho.
Conferiram as respostas do filho. Ele havia errado seis questões.
— Agora vou te arrasar, confira as minhas respostas aí. — Disse o pai com toda a autoridade de quem havia escrito o texto.

À medida que o filho ia conferindo, abria mais o sorriso. Por fim, às gargalhadas, anunciou:
— Você errou todas, pai!
Estupefato e incrédulo, tomou a prova das mãos do filho que rolava de rir no sofá.
— Impossível! Impossível!

Conferiu tudo novamente e constatou que realmente não acertara nenhuma. Raivoso, fora de si, vingativo, batia com a prova enrolada nas poltronas:
— Como é que eles podem pensar que sabem mais que eu daquilo que eu mesmo escrevi? Esses incompetentes. Me dá o telefone desse vestibular que vou ligar para eles. Ora, onde já se viu? Pensarem que sabem mais do que eu do meu texto! Afinal, quem foi que decretou que eles têm a interpretação correta? Então não saberia eu o que estava dizendo quando escrevi? E o que é "interpretação", afinal? Cada pessoa pode ter a sua. Ninguém pode determinar que todas as pessoas interpretem do mesmo jeito! Aliás, eles mesmos interpretaram tudo errado. Quem são eles para acharem que sabem mais que eu?
— Senso comum, pai. Senso comum. Sempre há um senso comum.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

DIMENOR - menino de rua



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À Guisa de

(Óscar Fuchs)

Sentei ao computador e lembrei dos bons tempos em que nós, jornalistas, usávamos máquina de escrever. À guisa de informação aos mais novos, máquina de escrever não era uma caneta, mas um aparelho com hastes internas e, na ponta de cada haste, uma letra em maiúscula e minúscula. A haste batia no papel que estava preso a um rolo e imprimia letra por letra. A máquina de escrever tinha um formato levemente quadrado.
"Quadrado" era uma gíria que nós, jovens de antanho, usávamos para ofender e insultar os mais velhos: "Pô, você é um quadrado!". Na verdade, se referia a uma pessoa correta, certinha, "quadradinha", conservadora, mas passou a designar pessoa idosa que usava expressões como "à guisa de", “antanho” e “cousa”.
A propósito, “antanho” é a forma antiquada de “então”.
Pois bem. Nos bons tempos de antanho em que ainda se usava máquina de escrever, "à guisa de" e outras cousas, se usava também talento. "Talento" é uma palavra que denota qualidade. Talento era uma necessidade, um requisito imprescindível para quem quisesse ser jornalista. Era obrigatório saber escrever, escrever bem. Como dizia Fernando Sabino, só se aprende a escrever quando se sabe ler. Ou seja: só a boa leitura leva ao bem escrever.
Fernando Sabino era um escritor, um cronista, um articulista. "Articulista" era uma pessoa que tinha talento e uma máquina de escrever. Ele escrevia artigos. "Artigo" era um texto em que se expunham idéias, se tentava provar alguma cousa ou se contava uma história. Era uma delícia ler os articulistas todos os dias nos jornais. Hoje não existem mais, sumiram. Talvez porque os articulistas escreviam para pessoas cultas que gostavam de ler. O jornal de hoje não é feito para pessoas cultas e que gostam de ler, então defenestraram o talento e os articulistas, os cronistas, os colunistas.
"Defenestrar" é uma palavra que vem do latim, “fenestra”, “janela", "fresta”. Portanto, "defenestrar" é "jogar pela janela" alguma cousa, um objeto, um produto, um artigo qualquer. Esse "artigo" não é o mesmo "artigo" que o Fernando Sabino escrevia.
Talvez seja certo pensar, então, que os articulistas, assim como seu talento, o "à guisa de" e a máquina de escrever se tornaram obsoletos, considerados uns "quadradões" e foram defenestrados, como cousa qualquer, dos periódicos. "Periódico" é como era chamado o jornal antigamente, porque ele saía periodicamente.
Há, no entanto, quem pense que os próprios articulistas, cronistas, escritores e colunistas se auto-exilaram no momento em que o território das ideologias foi queimado e coberto de sal, tal e qual romanos fizeram com Cartago. "Ideologia" era uma coisa que existia antes do dinheiro ser mais importante. As pessoas tinham pontos de vista e defendiam esses pontos de vista ou, pelo menos, se questionavam sobre eles.
De qualquer jeito, hoje é muito difícil ter o que ler num jornal. Há sobreviventes, mas não tantos quantos quando se usava o “à guisa de”. Imprime-se muita "figurinha", muita fofoca de artista, muito gráfico. Poucos artigos interessantes e muito "textículo". “Textículo" é como chamávamos os pequenos textos, de fácil leitura, fácil compreensão, não o que você está pensando. Você está pensando? Ótimo. Pelo menos alguém ainda faz isso!

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

B. B. Morais - o comemorador


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Novo Calendário

(Óscar Fuchs)

Está quase na hora de começar a fazer planos para o novo ano que chega. “Vou parar de fumar”, “...vou finalmente fazer aquele chek up”, “ ...vou começar a ler livros importantes”, “ ...vou marcar aquele exame de toque, eu juro, benzinho!”, enfim, tudo aquilo que prometemos e nunca cumprimos sempre que um ano começa, em Abril.

Sim, no mês de Abril. Porque, como todos nós sabemos, no Brasil o ano só começa em Abril. E a rima nem foi intencional. No ­Calendário Juliano o ano começava em Março — Martius, em homenagem a Marte, Deus da Guerra. Mais tarde, no Calendário Gregoriano, o início do ano passou para Janeiro — homenagem a Jano, deus da mitologia romana, que tinha duas faces, uma olhando para trás, o passado e outra olhando para frente, o futuro. De uns tempos para cá adotamos, somente no Brasil, um outro calendário que começa em Abril. Como denominar esse novo calendário, Calendário Brasiliano?

O Calendário Brasiliano seria o mais democrático que já existira, pois não seria imposto por um imperador ou por um Papa. Temos um monte de coisas para fazer, para dar andamento, contatos para realizar, respostas a aguardar, processos a continuar, mas todos os brasileiros dizem, invariavelmente:

— Agora, só depois de Março. — Donde infiro que o ano começa de verdade em Abril.

Vox populi, Vox Dei. Portanto, temos um calendário em que o ano inicia em Abril e termina em Março. E o que é melhor, as festas de fim de ano duram quatro meses! Começam ainda com o Natal, lá atrás, em Dezembro. Emendam com o Réveillon, no início de Janeiro. Continuam com as comemorações de aniversário de um dos maiores e mais modestos escritores do país — eu mesmo — lá por fins de Janeiro. E terminam com o Carnaval em Fevereiro/Março.

— Bêbado outra vez? — Pergunta a mulher, indignada, vendo o marido chegar cambaleante em casa.
— Pois é, amorzinho... ihc!... — Tenta o marido soluçante — ...essas festas de fim de ano...
— Já estamos na metade de Janeiro!
— Você sabe... ihc!... que eu não sigo o calendário Gregoriano... ihc!
— Isso é desculpa para continuar bebendo, seu cafajeste.
— Eu sou brasileiro! — Discursa ele com o dedo em riste — Sou patriota! Sigo o calendário Brasiliano... ihc!... Pô, confortável essa poltrona com rodinhas.
— Você está sentado no carrinho do bebê, seu cretino.
— Ops!
— E quando vai parar de beber?
— Quando o ano novo começar, pode deixar, querida.
— E quando vai começar o ano?
— Agora, só depois de março... ihc!