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sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Psiu Kólogo, o barman

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Básico

(Óscar Fuchs)

Num daqueles inevitáveis e freqüentes acasos, a querida companheira e eu conhecemos um casal numa festinha de aniversário de criança. Para quem se lembra um pouco da teoria dos conjuntos nas aulas de matemática, festa de aniversário de criança é a intersecção entre dois conjuntos, é o ponto em que dois mundos diferentes têm uma única particularidade e ali se combinam, se assemelham. Assim, pessoas que nunca se viram e que em nada se relacionaram umas com as outras até ali, de repente têm a particularidade de serem amigos dos pais da criança que está de aniversário. Filosofada, sentei e dei aquela filosofada. Cadê o papel... cadê o papel...

Daquela vez até o pequeno aniversariante era uma incógnita para nós, porque também soe acontecer de os pais convidarem amigos seus quando a festa é da criança, numa apropriação indébita da data e do carisma da criança para uso próprio. E acaba sendo um evento exibicionista, com muita cerveja, churrasco, piadas sujas, gargalhadas tonitruantes e passos cambaleantes na ida ao banheiro. Tudo isso numa inocente festinha infantil.

Como disse, o acaso é inevitável: conhece-se pessoas que de uma hora para outra tornam-se íntimos e faz-se planos em grupo para os próximos dias, semanas, meses e já fica combinada uma viagem fretada para o nordeste no ano que vem.

“Para os próximos dias”, porém, ficou combinado um churrasco dominical na casa à beira mar de um casal que encontramos na intersecção de nossos mundos. Entre as combinações que sempre se faz nessas horas está o “me liga quando estiver a caminho que eu vou te dizendo como chegar lá”.

No domingo do churrasco saímos de casa em roupas informais: chinelo de dedos, short com sunga e biquíni por baixo, camiseta regata, blusa de alcinha, roupa típica de praia. Entramos em nosso carrinho popular e rumamos para o fraterno encontro com os amigos recém conhecidos.

Na primeira bifurcação da estrada já fizemos a primeira parada e a primeira ligação. Calor do Kalahari e nós ali, dentro do um ponto zero sem ar condicionado, tentando ligar para um telefone que só dava caixa postal. Esquerda ou direita? Finalmente atenderam e nos orientaram:

— Pegue a estrada da esquerda e siga em frente até a Costa Rica. Quando chegar lá ligue de novo.

— Costa Rica — brincamos eu e a querida companheira —, acho que vamos até a América Central.

— Bairro Costa Rica. — Leu ela numa placa com uma seta apontando em frente. — Imagina um bairro com esse nome. Só pode ser de granfino. — Rimos.

E era. Chegamos ao bairro Costa Rica e só havia belas casas, carros importados, gente com roupa de grife, até os cachorros eram meio petulantes. Imagine como seria esse churrasco! A querida companheira olhou-me com minha regata puída e ordenou:

— Pare aqui. Vamos comprar uma camiseta pra você.

— Mas...

— Vamos, vamos! Não vamos chegar lá nesses trapos, parecendo dois molambos.

Ainda que contrariado tive que partilhar da apreensão e fomos a uma lojinha onde ela escolheu uma camiseta pra mim.

— E você? — Perguntei.

— O que tem eu?

— Essa sua blusinha já tem uns dois verões nas costas... e na frente também.

— Tem razão.

Desceu a prateleira de blusinhas e escolheu uma mais “chiquezinha”.

Devidamente vestidos para a ocasião, partimos outra vez. Até nos perdermos outra vez. Ligamos outra vez:

— Daí onde estão sigam até a última rua. Entrem à esquerda e venham cuidando as placas. Entrem quando virem uma placa dizendo Praia da Nobreza.

Agradecemos e seguimos satisfeitos por termos nos arrumado um pouco, afinal íamos para a Praia da Nobreza. O que haveria lá, condes? Barões? Continuamos em direção à corte palaciana, rindo e já nos achando ridículos. Quando chegamos à Praia da Nobreza era exatamente o que cogitáramos: nobre. Restaurantes finíssimos, hotéis que mais pareciam palácios com seus campos de golfe e boutiques de marcas internacionais que só se vê em lugares como aquele.

Nos olhamos outra vez e tomei a iniciativa:

— Uma bermuda. Preciso de uma bermuda decente.

— E eu de um shortinho melhor que essa calça jeans recortada nas pernas e desfiada.

Foi uma grana. Mas eu nunca tive uma bermuda dessas, eu merecia. O shortinho com o tridente do Club Med saiu os tubos. Pelo menos a gente ia fazer bonito. Feitas as compras, ligamos de novo e nos orientaram:

— Todos conhecem. Perguntem a alguém como fazem para pegar o Caminho do Rei.

No Caminho do Rei, mansões de cartão postal, castelos estilizados, cascatas artificiais, jardins de Versalhes, fontes jorrantes e um tênis cheio de amortecedores pra mim, uma sandália com detalhes para ela. Coisa fina, até porque não encontramos nada mais barato. Cheiro de “tudo novo”, mais uma ligação. Mandaram seguir para o Beco dos Milionários. Aquilo, básico: jetskis, lanchas, piscinas quase do tamanho do oceano, quadras de tênis.

Quando nos demos conta de que estávamos a procura de uma loja que alugasse traje completo e um vestido claro, com alguns brilhos, para uma ocasião de gala, diurna, ligamos inventando um imprevisto e pedindo desculpas por não podermos comparecer.

— Mas vocês já estão tão perto!

Deu vontade de dizer que meu iate estava pegando fogo, mas apenas me desculpei e voltamos para casa. Com meu chinelo de dedos e meu calção velho assisti por computador as imagens que um dos convidados enviava on line, num desses programas de computador que se pode ver as pessoas do outro lado. Andava com a câmera pela piscina, pela churrasqueira, a praia ao fundo... todos de sunga, biquíni e chinelo de dedos. Deu até para ver, de passagem, uma bermuda batida e uma regata amarelada pendurados num cabo de vassoura.