CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Do torcedor

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Humpf!

(Óscar Fuchs)

O marido assistia ao futebol enquanto a mulher, ao lado, fazia crochê... ou tricô, porque nunca sei o que é um e outro. O locutor da TV disse:
— Mande sua pergunta!
E a mulher comentou com o marido:
— São uns idiotas.
— Quem? — Perguntou o marido.
— Esses que mandam perguntas para a TV. Pensam que vão responder as perguntas?
— Eles respondem, sim.
A mulher sorriu com desdém:
— Então pergunta pra eles por que só respondem perguntas idiotas. Duvido que vão responder.
— Eu acho que...
— Fico pensando — interrompeu a mulher —, se esses babacas sabem que os comentaristas só respondem perguntas idiotas, por que mandam as perguntas?
— Porque...
— Pra aparecer, só pode ser pra aparecer.
— Vai ver que...
— Quer aparecer, mesmo que passe por idiota.
O marido continua tentando:
— Às vezes...
— Por que essa gente tem tanta fixação em aparecer na TV?
— É uma coisa...
— Só pra dizer pros amigos que apareceu na TV? Só pra se vangloriar “meu nome apareceu na transmissão do futebol”, só por isso?
— Talvez...
— E daí? Grande coisa! — A mulher imita um ogro — “O Galvão fez minha pergunta idiota ao Casagrande, hô-hô-hô!”
— De vez em quando...
— Tem que mandar esses idiotas catar coquinho.
— Eu mandei.
Finalmente a mulher prestou atenção ao marido e perguntou entusiasmada:
— Mandou eles catar coquinho?
— Não, mandei uma pergunta.
— Ah, não acredito. Mas é um idiota.
O marido apenas suspirou.
– Que pergunta você mandou?
O marido apontou para a TV:
— Daqui a pouco você vai saber.
A mulher pensou alto:
— Se você mandou uma pergunta, e se eles vão fazer a sua pergunta, então... você mandou uma pergunta idiota!
— Você ainda nem sabe qual é pergunta!— Argumentou o marido.
— Mas, você disse que eles vão fazer sua pergunta...
— Acho que vão.
— Pois é, se eles só colocam no ar perguntas idiotas, e se você tem tanta certeza que eles vão colocar sua pergunta no ar, então é uma pergunta idiota!
— Pode ser pra você, mas...
Ela interrompeu outra vez:
— Impressionante.
Ele quase se irritou:
— Antes de criticar...
Ela voltou pro seu crochê... ou tricô, sei lá:
— Outro idiota mandando perguntas idiotas pra TV idiota.
— É que eu...
— Por que não mandou uma pergunta inteligente? — Perguntou ela.
Aí ele se irritou mesmo:
— Porque se eu mandar uma pergunta inteligente eles não vão fazer minha pergunta no ar, só por isso!
Ela também se exaltou:
— Então não manda a pergunta idiota!
— Se eu não mandar a pergunta idiota eles não falam!
— Não falam o que?
O marido, intimidado:
— ...não falam... a pergunta...
A mulher levantou o indicador:
— E o que mais? E o que mais?
O marido respondeu baixinho. Ela colocou a mão no ouvido e insistiu:
— Hein? O que disse?
— Meu nome. Se eu não mandar uma pergunta idiota eles não falam meu nome no ar, pronto.
— Ahá! Então é isso, é só pra aparecer! Eu sabia! Eu sabia! Você só queria que seu nome aparecesse na TV.
O marido ficou em silêncio. Ela voltou a fazer tricô... ou crochê:
— Eu só me pergunto: Por que essa fixação em aparecer o nome na TV?
O Locutor da TV disse:
— Faltam dois minutos para acabar o jogo!
— Viu? Viu? Ta acabando o jogo e não fizeram sua pergunta idiota. Bem feito.
Uma pausa pensativa, então ela se dá conta:
— Mas, qual era a pergunta que você mandou só pra aparecer?
— Não vou dizer.
— Ah, fala.
— Não.
— Deve ter sido uma pergunta inteligente, porque eles não leram sua pergunta no ar, né?
— É.
A mulher largou o crochê... ou tricô e sentou-se ao computador. Digitou algo e voltou a sentar no sofá. O marido, curioso, perguntou:
— O que você foi fazer no computador?
A mulher retomou o tricô... ou crochê e respondeu indignada:
— Mandei uma pergunta para aqueles babacas.
— Que pergunta?
— Perguntei por que eles não colocaram no ar a pergunta inteligente do meu marido. Agora quero ver o que eles vão dizer. Humpf!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

ET wanna to go back to Bahia

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Até os gsepgmolj!

(Óscar Fuchs)

Ta bem, já foi, já falei, agora ta feito: tenho contato com seres de outro planeta, os gsepgmolj. Ou pelo menos foi como eu entendi o nome da civilização deles (ver crônica Os gsepgmolj, no blog). Os gsepgmolj andam na bronca comigo porque revelei que encontro eles no boteco do Vandi.
— Pô, terráqueo, que saco! — reclamaram — Dia desses tivemos que aturar aquele chato do Caçadores de OVNIS e mais o Paulo Coelho juntos durante duas horas!
Compreendi perfeitamente e já me desculpei pelo imensurável desgosto. De qualquer jeito, não foram reconhecidos pela dupla de chatos. Os dois disseram que “não eram extra-terrestres coisa nenhuma, apenas um bando de bebuns delirantes”. Mal sabem. Bebuns delirantes eles também são, mas de outro planeta. A vodka vagabunda do Vandi tem o nome muito parecido com o nome do planeta deles, Vrlizov, então os gsepgmolj bebem garrafas e mais garrafas para esquecer a terra natal, digo, a Vrlizov natal.
Vrlizov ficou inabitável depois que uma onda de idiotice assolou o planeta e tornou-o insuportável. Houve uma invasão de modismos alienígenas que engoliu sua cultura. Dizem que há uma cidade inteira só de Carlinhos Browns, imagina a tortura! Então vieram para cá. Hoje se abancam no boteco do Vandi e bebem aquela vodka intragável enquanto cantam suas canções. Os bebuns terráqueos que também frequentam o boteco ficam melancólicos, inconsoláveis, e se abraçam nos gsepgmolj aos prantos, apesar de não entenderem uma palavra do que cantam. Bebum é sempre solidário.
Ontem eles vieram comentar o tal Código Florestal, sobre o qual ouviram a imprensa falar muito nos últimos dias.
— Ficamos felizes por vocês, terráqueo.Vão aumentar as áreas dos colonos e vão ter mais comida.
— Os pequenos agricultores não querem nada para a agricultura familiar. Eles produzem alimentos sem destruição das tais áreas de preservação. — Informei.
— Ora, mas está em todos os jornais, nas televisões, que...
— Estão enganando a vocês também. Na verdade os grandes ruralistas estão tentando aprovar uma lei para abocanharem mais terras e para não pagarem as multas pelos desmatamentos que já fizeram.
— Mas... todos estão a favor e...
— O povo nem ta sabendo.
— Quer dizer que o meio ambiente vai...?
— Se forem aprovadas as alterações no Código Florestal, há risco de serem lançadas na atmosfera quase 7 bilhões de toneladas de carbono, mais de 13 vezes as emissões do Brasil no ano de 2007.
— Outra garrafa de vodka! — Gritou um deles para o Vandi.
— Terráqueo, vocês não podem aprovar isso!
— Não depende de nós, meu amigo alienígena. Nossos representantes vão ganhar muito com isso, tem uma bancada ruralista que vai faturar alto se isso passar.
Um deles agarrou o casaco de outro com as duas mãos e começou a chorar histérico:
— Eu não quero ir embora de novo... não quero... eu quero ficar aqui... já é quase a minha casa entende?
O outro passava a mão na cabeça dele, consolando-o:
— Schhhh, schhhhh... não vamos.... não vamos....
Mas ele não se conformava:
— Esse clima bom... essa vodka...essas mulheres com peitos... e na frente ainda!
— Eu sei, eu sei....schhhhhh. Calma, calma.
Estava inconsolável. Agarrou as lapelas do meu casaco e implorou:
— Faça alguma coisa! Faça alguma coisa!
Atendi a seu pedido e servi outra vodka em seu copo.
— Terráqueo — disse o outro —, você tem que fazer alguma coisa para evitar isso!
— O que? Nada que eu faça vai... peraí!
Uma idéia me caiu. Juntei a idéia e a aproveitei:
— Posso escrever sobre essa tristeza de vocês! Imagina como isso vai sensibilizar os terráqueos, pois se até extraterrestres estão preocupados!
— Genial! Genial! — Vibraram todos, abraçando-se.
Dei continuidade ao raciocínio:
— E então poderemos...
Mas um desânimo me assaltou. Não levou nada de importante, mas me assaltou:
— Não adianta, ninguém vai acreditar. Como vou dizer que aliens estão preocupados, se ninguém acredita que converso com vocês? Lembram os dois chatos que estiveram aqui?
— É verdade. — Concordaram.
Melancolia geral. Um deles se aproximou tristonho, colocou a mão em meu ombro e queixou-se:
— Olha, se esse negócio sair... vou embora.
Baixei a cabeça, deprimido. Ele olhou para o alto, pensativo, e arrematou:
— Prefiro encarar aquele monte de Carlinhos Browns.



Baixe aqui a cartilha "Código Florestal: Entenda o que está em jogo com a reforma de nossa legislação ambiental". (Clique com o botão direito e selecione a opção Salvar como...)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Expert

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Academicismo

(Óscar Fuchs)
Não faz tanto tempo. Ali em 1851 ainda havia dúvidas da rotação da terra sobre seu eixo. León Foucault teve de construir um pêndulo gigante e instalá-lo no Panteão de Paris para demonstrar que o planeta girava em torno de si mesmo. Tudo porque os sábios da academia não admitiam que os cálculos de Foucault estivessem certos. Afinal, eles eram acadêmicos e Foucault, não. Também não podiam admiti-lo como membro da Académie de France pois, se o fizessem, estariam tornando-o um acadêmico e então teriam que aceitar seus cálculos! Aquela bancada de diplomados não conseguia provar o óbvio e também não permitia que alguém provasse, pois o que seria de seu diploma se um leigo fosse mais competente que eles? E Foucault teve que construir seu pêndulo para que vissem que a terra gira em torno de si.
Com isso, fiquei imaginado lá, no começo dos tempos do conhecimento:
— Mestre! Mestre! Veja, descobri que dois mais dois...
O mestre levantou a mão, interrompendo o menino:
— O que é dois, Sissiam?
— Dois é mais que um, mestre.
— E o que é um?
— É mais que nada.
— Sissiam, meu pupilo, aqui a gente conta as coisas com nada, depois vem o mais que nada, depois mais que nada mais mais que nada...
— Eu sei, mestre, até muitos mais que nada que dá a conta dos dedos da mão e depois mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão, e então mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão e do pé...
— Isso mesmo, Sissiam. E depois mais que nada que dá a conta de outro pé, e que dá a conta das orelhas, e que dá a conta do nariz e assim por diante.
— Pois é, mestre, eu sei disso. Mas eu dei nome para o mais que nada. E também para o mais que nada mais mais que nada e assim por diante. Dei nome até para a conta do nariz!
O mestre riu, compreensivo:
— E como seria o nome da conta do nariz, Sissiam?
— Oitenta.
— Ah, sim. E o que você descobriu dando nomes?
— Veja, mestre: descobri que dois mais dois é quatro!
— Muito bom, Sissiam. Agora volte a brincar com os filhotes dos escravos. Não os machuque muito para não ficar sem brinquedos.
— Mas, mestre...
— Vá brincar, Sissiam. Olhe, estou vendo que falta mais que nada filhote de escravo da sua manada.
— É verdade, mestre. Não tinha percebido. Está mesmo faltando um.
Um é o nome dele?
— Não, mestre. Um é o nome que dei para mais que nada. Mestre! Nós poderíamos contar os escravos com os nomes que inventei! Perderíamos menos escravos!
— Ãããããhhhnnnn, interessante. E como chamaríamos esses nomes que você inventou para mais que nada e mais que nada mais mais que nada e... ufa, isso é cansativo mesmo... daí por diante?
— Números, mestre.
Números... parece-me bom... e tire o dedo do oitenta, digo, do nariz. Então, comece a me explicar de novo.
— Pois é, mestre. Descobri que dois mais dois é quatro. Quatro é mais que mais que um, mas é menos que a conta dos dedos da mão. Assim fica mais exato, entende?
— Entendo.
— Depois vem o cinco, o seis, o sete...
— Não pode, Sissiam. Você não pode inventar e descobrir coisas porque você não é um mestre. Só mestres podem fazer isso. Nós, os mestres, passamos anos estudando e aprendendo com outros mestres para podermos ser mestres e inventar e descobrir coisas. Você, que ainda é um menino tolo, está estudando comigo, seu mestre. Ensino tudo o que você deve saber. Se um dia for mestre, poderá inventar e descobrir qualquer bobagem que quiser, algo para voar como os pássaros, ou para ouvir as pessoas de outros lugares, qualquer coisa inútil, mas só quando for mestre. Agora, volte a brincar.
O menino saiu cabisbaixo. Já distante ouviu o mestre gritar lá da pedra onde ficava sentado:
— E vá procurar seu filhote de escravo, esse tal de Um!