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quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A qualquer momento

(Óscar Fuchs)

Essa é uma história real. Comprei uma máquina de lavar e secar, exigência da querida companheira. Como em todas as casas do mundo, lá em casa quem manda é a querida companheira. Comprei a máquina numa terça-feira:

— Será entregue até sexta-feira! — Informou a competente vendedora

— Só na sexta? Não pode ser antes? Amanhã?

— Amanhã é feriado, mas vou tentar. — Disse ela.

Quarta-feira. Entusiasmado, dividindo com a querida companheira a alegria da nova aquisição. Ela viajaria e eu ficaria esperando a máquina. Mandou não me entusiasmar muito e, como em todas as casas do mundo, obedeci. Antes de sair ainda deixou outra ordem:

— Não coloque nem a cabeça para fora de casa, pois a máquina pode chegar a qualquer momento.

Quinta-feira. Em casa, tirei tudo do caminho, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Próximo passo, livrar-me da máquina antiga. Liguei para uma ou duas pessoas conhecidas e necessitadas dizendo que estava dando uma máquina de lavar em bom estado.

— Tem que ir aí para pegar? — Perguntaram.

— Lógico! — Respondi.

— Ah, então não quero.

Nenhuma das duas pessoas aceitou minha oferta. Fiz do limão, limonada: doei a uma entidade assistencial. Teria que esperar que viessem buscar ainda essa manhã. Esperei sem sair de casa o resto da quinta-feira. Não podia sair para nada, nem para comprar cigarros, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Não veio também na quinta-feira.

Sexta-feira. Vieram buscar a máquina usada que era para terem buscado ontem de manhã. Já estava quase sem cigarros. Esperei a máquina nova toda a manhã e nada. Liguei para a atenciosa vendedora:

— Olha, deve estar estourando por aí. — Disse ela.

Sexta à tarde. Já que não podia sair de casa, pois a máquina chegaria a qualquer momento, resolvi fazer uma limpeza geral no banheiro, onde ela seria instalada. Liguei o chuveiro e comecei uma faxina que, modéstia à parte, ia ao mais recôndito grão de rejunte para azulejo. Achei até um fio de cabelo loiro e, o mais incrível, que era meu mesmo! Do tempo em que eu ainda não tinha cabelos totalmente grisalhos!

Faxinei todo o banheiro e, além de uma dor insuportável nas costas, queimei a resistência do chuveiro. Só que não podia sair de casa para comprar outra resistência, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Compraria uma nova resistência no dia seguinte. Final da tarde de sexta-feira, resolvi ligar para a dissimulada da vendedora:

— Está a caminho! — Garantiu ela.

Achei melhor não ir ao mercado fazer compras, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Não veio. Os cigarros acabaram.

Sábado. Pela manhã a falsa da vendedora asseverou que a máquina chegaria até 4 da tarde, no máximo tardar. Para adiantar serviço, já que não podia sair de casa, pois a máquina chegaria a qualquer momento, optei por remover a resistência queimada do chuveiro. Assim, já deixava tudo pronto para instalar a nova resistência que compraria após as 16 horas.

Como manda a boa norma, antes de mexer em eletricidade, desliguei o disjuntor de energia. Removi a velha e queimada resistência e deixei o chuveiro assim, no Ponto Frio. Sadismo, puro sadismo, ironia, galhofa, pândega.

Outra boa norma diz que nunca se deve desligar a energia se o computador estiver ligado. E foi exatamente o que eu fiz: desliguei a energia e o computador foi pro pau.

Chegou o instalador da máquina. Tinha esquecido dele. A título de “visita” levou-me os últimos 50 reais, pois o instalador não tinha o que instalar. Estava guardando o dinheiro para comer um tele-qualquer-coisa, já que não podia sair, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Tentei pelo menos afanar-lhe um cigarro, mas o safado não fumava. Liguei para a mentirosa da vendedora:

— Vou resolver isso e ligo pro senhor em dez minutos! — Disse.

Domingo. A desgraçada da vendedora não ligou. Fiquei em casa porque, nunca se sabe, talvez no domingo! Domingo sem chuveiro, sem comida, sem computador, sem cigarro, meu time perdeu e a máquina não veio.

Segunda-feira de manhã. A querida esposa ligou dando bronca porque a máquina não havia chegado ainda. Pedi desculpas e disse que faria o possível.

Deprimido, com fome, irritado, ansioso, com raiva, liguei para aquela filha da puta da vendedora que afirmou que já estava tudo encaminhado e não passaria do meio-dia. Me contive, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Passou o meio-dia e a máquina não veio. Abri a persiana da sala para me certificar de que um pulo daquele 4º andar seria fatal num suicídio, mas aí a fita da persiana arrebentou e a persiana caiu feito uma guilhotina sobre meu pescoço me deixando aprisionado com a cabeça do lado de fora e corpo do lado de dentro. Então, com a cabeça pendurada para fora da janela, imobilizado e preso pela persiana, ouvi o porteiro eletrônico tocando e vi lá embaixo um caminhão de entregas esperar por cinco minutos e ir embora. Eu sabia, eu sabia: “Não coloque nem a cabeça para fora de casa, pois a máquina pode chegar a qualquer momento”.