CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ano Novo

(Óscar Fuchs)             


             Réveillon, mais prevenção. Você emendou natal e ano novo e continua bêbado, portanto, prepare-se para o ridículo. Mal começa a festa e, como num passe de mágica, surge um copo em sua mão. Ante o olhar de reprovação de sua mulher você tenta largá-lo em algum lugar mas não consegue, ele já se acoplou à sua mão, como se fosse parte do seu corpo, uma extensão do seu braço. Tanto é assim que, quando você e seu primo trocam os copos, chamam de transplante de órgãos. O copo, assim como seu fígado ou seu coração, necessita de constante abastecimento e vocês chamam a isso de transfusão. Atravessam a casa imitando uma ambulância com a sirene ligada cada vez que vão ao barzinho para uma transfusão. Todos se irritam, menos o vovô que em meio aquele batalhão de gente vestindo branco, puxa a blusa daquela sua prima sexy:

              — Enfermeira, preciso fazer xixi. Me ajuda? — E dá um sorrisinho safado.

              Se você passa o réveillon na praia, compre dois retângulos de espuma do tamanho de seu tórax. Com fita adesiva, faça um colete e vista-o por baixo da camisa. Por quê? Porque você chegou à praia no dia anterior, ansioso para ir ao mar, pegou um solaço e suas costas estão como uma manga-rosa. Pense quantas pessoas vão abraçá-lo e lhe dar tapinhas ardentes nas costas ao lhe desejarem Feliz Ano Nov. Sem contar que o colete servirá de amortecedor naquele inevitável tombo depois das vinte e oito transfusões.

              Você já está balançando mais que antena de rádio amador. Daqui por diante, a cada balão que estourar, a cada travessa que cair, você vai dar um pulo aos gritos:

              — Feliz ano novo!!!!!

              — Que ano novo? Ainda faltam duas horas!!! — Exclama sua mulher.

              — Duas horas? Então, uuuóóóóóóóóóóóóóó!!! — E você sai correndo pelo corredor da casa para outra transfusão, imitando ambulância.

              — Movimentada a U.T.I. hoje, não? — Comenta o vovô, pensando que você é o médico.

              Comes e bebes. Nos “bebes” você já se afogou há tempo. Agora vêm os “comes”. Você reclama que o punhadinho de lentilhas que lhe deram estava duro e que deveria ser mais cozido. Saiba: Aquele punhadinho de lentilhas não é para jogar na boca como pipoca e mastigar, mas sim para colocar no bolso e levar durante todo o ano, para dar sorte. Só quando lhe dizem isso você compreende aqueles grãos que germinaram no bolso da sua calça branca. Estavam lá desde o ano passado.

              As duas primas gostosas chegam com uma bandeja e perguntam:

              — Alguém quer comer noz?
             
              Você e seu primo se atiram sobre elas, agarram as duas e tentam tirar-lhes as roupas. A família escandalizada, sua mulher chorando e a tia compreensiva tentando explicar a vocês que se trata de noz, com “z”. Mas, antes que ela consiga, um balão estoura  e vocês dois dão um pulo aos gritos:

              — Feliz ano novo! Feliz ano novo! — E se abraçam comovidos.
‘             
              — Ainda falta uma hora e meia!!! — Gritam todos, saturados das suas estripulias.
             
        — Ainda? — Perguntam vocês. — Uuuuuóóóóóóóóóóóóó!!! — E correm para outra transfusão.

              Porém, vocês já terminaram com a bebida. A última coisa bebível que ainda havia era a mamadeira com chazinho do afilhado. Você roubou do pobrezinho e serviu on the rocks. Agora está arquitetando um plano para esvaziar o aquário que o maiorzinho ganhou de natal. Seu cunhado argumenta que aquela coisinha vermelha nadando lá dentro é meio indigesta.
             
              Uma das tias, santa ingenuidade, tentando dissipar o mal-estar pergunta se todos estão usando roupa de baixo nova. Você e seu primo fazem um streap tease para mostrar as cuecas que ganharam. Ao vestir-se para a festa, porém, você pegou qualquer cueca, justamente a que está com um furo na bunda. Em vez de ficar vermelho e sem jeito, você dá uma gargalhada. Sua mulher corre para o quarto da irmã aos prantos. O vovô puxa alguém e pergunta:

              — Morreu o paciente aí do lado?
             
          Para evitar maiores constrangimentos, resolvem antecipar a ceia da meia-noite e alguém diz que já podem trazer o porco. Você pega aquele sobrinho que estava brincando no quintal, todo sujo, e o coloca de quatro sobre a mesa com uma maçã na boca. Só você, seu primo e o menino porco acham graça.

       Com tanta humilhação, sua mulher o empurra para um quarto. Você vai cambaleante tentando beijá-la:

              — Mas agora, benzinho!? Assim, no meio da festa? Ah, já sei, você quer entrar o Ano Novo com prazer, com muito prazer...

              Enfim, chega a meia-noite. Você acorda com o espocar dos fogos de artifício e os gritos de “Feliz Ano Novo”. Está deitado, só de cueca, ao lado de um ursinho de pelúcia todo babado. Você se levanta e, ao chegar à sala, vê todos aos abraços e beijos, rindo, gritando e se felicitando. Com passos firmes e resolutos, vai até eles aos berros:

— Vão embora! Saiam! Vão todos embora! Eu quero dormir! Vocês me acordaram! Eu tenho que trabalhar amanhã cedo, pô! — E expulsa todos empurrando as pessoas porta afora em meio a palavrões e ofensas.— Saiam já da minha casa!

Então alguém lhe diz que aquela é a casa do seu cunhado, não a sua.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

DIMENOR, menino de rua

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Natal

(Óscar Fuchs)


Tudo aquilo que você mais temia está acontecendo: festas de fim-de-ano, correria, gastos e constrangimentos. Convém tomar algumas precauções pois, por mais que tente se esquivar da festividade, não conseguirá.

Tudo começa com os presentes. Para os adultos, deixe que sua mulher vá às lojas levar cotoveladas, pisões e empurrões na disputa por presentes. Você se encarregará das crianças. Arranje algumas caixas de papelão vazias, quanto maiores, melhor. Embrulhe com papéis vistosos, coloridos e brilhantes. Agora basta colocá-las em baixo da árvore de natal e pronto, este será seu presente para a criançada, já que todos os anos você gasta uma fortuna comprando brinquedos caríssimos e eles acabam brincando com as caixas. Terão diversão por toda a noite.
Na festa em família, como em todas as famílias, estarão aqueles primos arrogantes e aquela senhora chata de sorriso amarelo que, todos os natais, você cumprimenta efusivamente mas nunca sabe quem é. Prepare-se: você vai perguntar outra vez quem é ela. E sua mulher, outra vez, vai encará-lo como um imbecil desmemoriado e depois jogar-lhe na cara que aquela é a sogra do cunhado da prima. Você, novamente, terá que dizer aquele ãhã com um estalo de dedos, como se tivesse lembrado de uma hora pra outra.
Agora, literalmente, vem a preliminar da ceia. De forma alguma cometa o erro que cometeu nas festas anteriores: jogar bola no jardim com a meninada segurando aquele copo de uísque. Apesar de todos estarem sorrindo, no fundo, no fundo, estão pensando que você não passa de um retardado mental, pois um adulto deveria ter juízo de não estragar o jardim. Sem contar que há cinco anos foi um dedão fraturado, depois aquele corte no supercílio, no outro o dente quebrado e no ano passado aquele mau-jeito nas costas. Tudo por causa do joguinho amistoso com os guris.
Bem, você já não queria ir à festa, já está irritado com sua mulher e a fim de esganar aquela senhora que é... quem mesmo? Enfim, o que resta? Beber. A bebida é grátis, seu cunhado trouxe aquele 12 anos que você deu a ele no último natal e agora tem a chance de recuperar o prejuízo. E tem cerveja no freezer...
— ...e ainda vai ter aquele brinde com champanhe! — Você grita.
— Brinde com champanhe é no ano-novo. — Diz sua mulher, carrancuda.
E chega a hora da ceia de natal e a família toda à mesa, aos sofás, aos corredores, gente com prato e copo se acotovelando em todo lugar e indo se servir de peru frio e farofa, depois voltando e espalhando farofa por cima de todo mundo.
— Ta vendo? No natal daqui também tem neve!!! — Você diz isso e espalha farofa por toda sala, às gargalhadas, cada vez que fala neve.
Daqui para diante as coisas só vão piorar. Lembre-se de não fazer aquela piadinha de duplo sentido com o peru. Por duas razões: primeiro, que ninguém mais suporta aquela piadinha idiota. Segundo: o que está naquela travessa de pernas para o ar é um chester, como se encarregará de lembrá-lo a sobrinha metida que todos os anos estraga sua velha piadinha nova.
Você percebe que terá que sentar no chão para comer, segurando o prato numa mão, os talheres na outra, o que vai obrigá-lo a largar o copo. Ante a iminência de abrir mão do copo, você abre mão de comer. Até porque você não tem certeza de que conseguiria levantar-se do chão depois que terminasse. E vai se servir de outra dose do uísque doze anos que algum engraçadinho transferiu para uma garrafa plástica e colou um rótulo escrito vinagre. Aquele seu cunhado mesquinho, provavelmente.
Uma linda união familiar, todos já cearam, já abriram os presentes, as crianças estão aos prantos por que só ganharam caixas vazias, momento exato para uma discussão com o cunhado que tentou disfarçar o uísque e ainda quer convencer seus filhos a torcerem para o Botafogo. Você começa fazendo piada com o time dele, apela para o palavrão, passa pra ofensa pessoal e termina com Me segura! Me segura! Nem era seu plano, mas você conseguiu acabar com a festa que de um momento para outro ficou divertidíssima, apesar daquele uísque com gosto de vinho azedo.
Hora de ir embora. Agora virá a suprema humilhação. Todos na frente da casa assistindo sua discussão com a mulher. Ela exigindo a chave do carro, insistindo que você está bêbado. Você mostra que está ótimo enquanto aquele poste idiota dá um passo para o lado toda vez você tenta se escorar nele. Por fim, você entrega a chave do carro só para contentá-la e sorri para os vultos dos familiares que estão se balançando na frente da casa.
Prepare-se, ainda não acabou. No carro, voltando para casa, sua mulher dirigindo, comentando sobre isso e aquilo, como a Cenira está bem, né? E o Thiago, como cresceu! Viu o nariz da Beatriz? Aquilo é plástica! E, para mostrar que não está bêbado e fazer de conta que está interessado nos comentários, você faz a pergunta fatal:
— Tá, mas e aquela senhora chata de sorriso amarelo, quem era?