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domingo, 13 de outubro de 2013

Fuiii!

(Óscar Fuchs)

É um mistério. Apesar de todo nosso conhecimento acumulado, de toda nossa tecnologia, de todas as contribuições filosóficas da revista Caras, ainda não sabemos para onde vai aquele meio-comprimido que escapa ao partimos um comprimido ao meio.
Existem várias teorias sobre coisas perdidas, desde as que envolvem elfos e duendes até aquelas que afirmam existir um monstro papa-tudo dentro do sofá da sala. Formulei minha própria teoria: a do depósito universal.
Funcionaria assim: todas as vezes que se achasse um objeto, outro teria que ser perdido em algum lugar do universo para manter o número exato das coisas perdidas. E vice-versa. Daí viria a lógica de que sempre que você estivesse procurando uma coisa perdida, acabava encontrando outra que já nem lembrava. E tudo isso seria on line! Perdi a linha de raciocínio. Ta vendo? Aconteceu de novo.
Já achei a linha de raciocínio, o que significaria que alguém, nesse momento, estaria perdendo alguma coisa em algum lugar do universo. Como comprovação da minha teoria do depósito universal usava o exemplo do meio-comprimido: toda vez que divido um comprimido, metade dele não cai ali no centro da cozinha, onde há todo aquele espaço livre, mas em recônditos lugares inacessíveis. Embaixo do fogão, por exemplo.
E mais, ao procurar aquele meio-comprimido embaixo do fogão sempre encontro um garfinho de sobremesa, ou meus óculos de leitura, ou aquela fatia de beterraba que “saltou” da salada no início do ano. Só nunca encontrei o meio-comprimido.
Entretanto, depois de tantos anos de estudo e observação sobre o sumiço das coisas, minha teoria do depósito universal evoluiu para outra que chamo de Fuga Ultra Instintiva de Inteligência Inerente ou, simplesmente, F.U.I.I.I.!
A fuiii! é mais ou menos assim: segundo Darwin, tudo é evolução. Pensemos então por quantas transformações já passaram, desde lá do início das eras, os elementos que compõem aquele meio-comprimido caído não-se-sabe-onde.
Ora, um comprimido é composto de matéria, matéria é formada por várias substâncias, substâncias são a junção de elementos químicos e seus átomos, átomos são formados por partículas subatômicas, partículas subatômicas são energia, energia é vida, vida se adapta e se transforma ou desaparece. A ciência já provou que o átomo tem comportamentos diferentes quando observado ou não, como se fossem crianças fazendo traquinagens. Só isso já bastaria para comprovar a fuiii!
O fato é que a evolução dos elementos químicos desse comprimido vem ocorrendo há milhões e milhões de anos e, tal como acontece com tudo o que tem vida, também o transformou, também o adaptou: aquele meio-comprimido adquiriu inteligência!
Assim, sempre que divido um comprimido ele percebe que uma de suas metades será extinta ou transformada em outra coisa e... Fuiii!, foge dali para se preservar e garantir a continuidade da sua espécie. No meu caso, a espécie dos barbitúricos.
Então, se você não encontrar sua carteira, seus óculos, sua caneta, ou se sumir seu molho de chaves ou seu controle remoto, ou se deixar cair uma moeda, não pense que foi você que os perdeu, na verdade eles é que fugiram e estão escondidos num lugar inacessível para você. Pronto, é Fuga Ultra Instintiva de Inteligência Inerente!
Bolei essa crônica inteira enquanto estava aqui, com uma régua, futucando embaixo da geladeira, procurando o maldito meio-comprimido que fugiu. Pelo menos encontrei o pivô frontal que voou da minha boca há cinco semanas, quando explicava minha teoria a um amigo:
— Como se chama sua teoria mesmo? Perguntou ele.         
Fuiii! — ...e lá se foi meu pivô esconder-se em lugar incerto e descabido.