CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

Virtual

Óscar Fuchs

O telefone da Drica vibra. Manú enviou mensagem.
- Tudo bem?

Drica lê e responde para Manú:
- Bem. E você?

O telefone da Manú dá sinal e ela lê a mensagem de Drica. Então digita:
- Mais ou menos. O Rod e eu brigamos.

Drica, triste, pergunta:
- Snif. Por que, menina?

Manú escreve:
- Ele disse que eu só fico no celular, que não dou atenção a ele.

Drica é solidária:
- Chato. Nem é tanto assim.

E assim segue a troca de mensagens entre Drica e Manú:
- E agora, o que eu faço?
- Ah, Manú, fala com ele, ele tá aí do seu lado!
- Falar, como? Ele não quer conversar!
- Manda uma mensagem.
- Boa, 'miga! Agora ele tá no vídeo game e não vai ler. Vou mandar mais tarde.
- Nem te conto: sabe aquele gato que ficou me olhando aquela vez no Boulevard?
- Boulevard...deixa ver...ah, sim! Loiro, sarado.
- Esse mesmo. Tá aqui.
- Não acredito!
- Tá, sim. E tá me olhando de novo. Tá bem lá no fundo, encostado no balcão.
- Faz uma foto e me manda.
- Peraí. Deixa eu fotografar sem que ele veja. Pronto. Tô mandando.
- Recebi. Putz, é o cara mesmo!
- Coincidência, né?
- Super! Não deixa escapar dessa vez, né?
- Vou fazer de conta que vou ao banheiro, aí passo por ele.
- E se ele não falar nada pra você?
- É mesmo. Tenho que deixar cair alguma coisa.
- O velho truque da vovó!
- Pois, é. Mas o que? A vovó tinha o lenço.
- As chaves!
- E se ele não perceber? Ainda perco as chaves e não entro em casa.
- Pode ser a comanda do bar. Não, se você perder a comanda vai ter que pagar uma fortuna.
- O celular! Ele junta o celular e me devolve.
- E se não juntar? Você ainda perde o celular.
- Tem razão. Vou lá e dou um esbarrão nele, pronto.
- Isso, direto ao assunto!
- Então, vou indo. Vou desativar as mensagens, tá?
- Tá. Dá aqui sua bolsa que eu seguro.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

O dia que Roberto Carlos atropelou o papeleiro

Óscar Fuchs


A história aconteceu na minha rua e é verídica.

Todo início de noite Gilnei, o papeleiro, passava recolhendo o lixo reciclável da minha rua. Vinha com seu carrinho de coleta pela Avenida Aureliano até chegar ao Bar do Vandi, sua “parada estretégica” ­- como ele definia -­ para um trago. Na verdade, ele vinha de várias paradas estratégicas ao longo do percurso. Como sempre, bebeu seu martelinho e na saída despediu-se com um aceno. Voltou à calçada e se acoplou outra vez a seu carrinho carregado de papelão.

Deu dois passos à esquerda e olhou para trás, para ver se vinham carros, quando foi lançado de volta à calçada, contra a parede do prédio. Um automóvel preto, luxuoso, grande e possante o atingira. Um pouco tonto pelo susto -­ ou pelos martelinhos -­, apesar do forte choque deu um riso e exclamou um “ôigale!”, enquanto tentava levantar.

Ao ouvir o estrondo da batida, o Bar do Vandi inteiro saiu à rua e viu o Gilnei ali, se erguendo apoiando-se na parede. Acontece que não era apenas um carro luxuoso e preto, mas uma fila deles! Ao darem com o papeleiro levantando-se e aquela escolta de automóveis pretos parados em fila dupla, concluiram de pronto que um grã-fino atropelou o papeleiro. E vieram como um cardume em defesa do Gilnei.

O papeleiro não se vitimizou. Ao ser amparado pelos amigos do boteco -­ bêbado é sempre solidário -­ , levantou os braços tranquilizando:

-­ Não foi nada, não precisa se preocupar...

Da caravana de carros pretos sairam enormes seguranças, homens em ternos pretos, camisas brancas e gravatas também pretas. Cercaram o papeleiro que repetia “não foi nada!”, enquanto os bebuns solidários do boteco cobravam providências dos gigantes. Bastaria os grandalhões darem um tabefe e derrubavam todos num só golpe. Mas o pessoal do boteco não se rendia e exigia reparações.

-­ Tem que socorrer! -­ Proclamou Seabra com o dedo em riste no nariz do segurança.
-­ E olha o carrinho, tá todo torto. Tem que dar um carrinho novo! -­ Exclamou Moacyr.
-­ E vai pagar uma rodada pra todo mundo, não vai? -­ Perguntou Gabriel, num grau mais conciliador e alcoólico.

Foi nesse momento que abri o portão do meu prédio, vizinho ao Bar do Vandi, para depositar na rua meu lixo reciclável. O rebuliço perto da porta do bar chamou minha atenção. E foi aí que vi passar, vindo do outro lado, a dois passos de mim, de branco e claudicante, Roberto Carlos. Já tinha depositado as sacolinhas de lixo e tentava entender o que estava acontecendo. Roberto Carlos se aproximou do papeleiro e perguntou entre os seguranças:

-­ Tudo bem aí, gaúcho?

A turba ficou boquiaberta se entreolhando como que perguntando “Tão vendo o mesmo que eu?”. Alguns sacudiram o copo e perguntaram intrigados:

-­ O que o Vandi colocou aqui dentro dessa vez?

Ao ver de quem vinha a pergunta, Gilnei soltou um longo “aaaaaaiiiiiiiii”. Aquele que instantes antes garantia que “não foi nada!” e que dizia “não precisa se preocupar”, de repente estava indeciso entre se queixar ou levantar e abraçar o “rei”. Considerando a precária situação naquele momento de sua vida, optou pela primeira opção.

Os fregueses do Bar -­ todos agora na calçada -­, talvez pela elevada gradação alcoólica, retomaram a ofensiva exigindo para o papeleiro um atendimento compatível com a grandeza do astro. O papeleiro, colado à parede se contorcendo de dor, queixava-se:

-­ Aaaaiiiii meu cotovelo!
-­ Ué, mas até agora você dizia que não sentia nada! -­ Inquiriu um dos seguranças.
-­ Foi de repente... aaaaaiiiiiii.

Os botequeiros em algazarra exigindo socorro imediato à vitima, os seguranças tentando afastá-los e o Gilnei se queixando:

-­ Aaaaaiiiiii.... minha costela!

O segurança garantia:

-­ Pode deixar que a gente vai cuidar de você,
-­ Obrigado...aaaaaiiiii.....meu fêmur.....
-­ Mas aí é o quadril!
-­ Viu como deslocou? Aaaaiiiiiii... meu baço... -­ E apalpava a garganta.

Percebendo que não fora nada grave, Roberto Carlos passou por mim outra vez e voltou para um dos carros pretos.O segurança abriu a porta e ele entrou no segundo veículo da comitiva. A caravana arrancou, menos um dos carros que ficou para socorrer o papeleiro. Enquanto ele fingia várias fraturas expostas, levaram-no amparado até o automóvel, abriram a porta, colocaram-no no banco traseiro e arrancaram.

Há algum tempo reencontrei o Roberto Carlos ­- o Gilnei, que assumiu o apelido ­- bebendo outra vez seu martelinho no bar do Vandi. Contou que naquela noite o levaram ao Pronto Socorro:

-­ Andei naquele carrão! -­ Exclamou numa gargalhada.

Pagaram todos os exames e todos os tratamentos que ele precisava:

-­ Até pra doença que eu não tinha!

-­ Qual doença? -­ Perguntei.

-­ Alcoolismo. Vê se pode, eu alcoólatra!

Depois o levaram pra casa, arranjaram-lhe um emprego e ainda contribuiram com uma cesta básica. Mas o maior problema foi com sua mulher.

-­ É mesmo? Por quê? -­ Perguntei.

-­ Até hoje ela me joga na cara que eu não pensei nela, que eu devia ter exigido mais coisas.

-­ Que coisas?

-­ Um ingresso pro show e um autógrafo.

Gilnei voltou a carrinhar, não gostou do serviço num frigorífico. Essa foi a última vez que o ví. Deve estar por outras ruas contando sua história toda vez que alguém lhe pergunta:

-­ Por que seu apelido é Roberto Carlos?

-­ Porque uma vez...
          
N.A.:
1. Seabra, um dos frequentadores do Bar do Vandi, continua frequentando o boteco e sempre que alguém pede que ele confirme a história, cobra uma dose de cachaça com Underberg pelo testemunho.
2. A “plaquinha” que ele colocou na árvore dizendo “Aqui Roberto Carlos Atropelou um papeleiro”, já apodreceu e caiu....mas a árvore continua ali, na frente da porta do meu prédio.
3. Roberto Carlos, nessa noite, fez um show no Gigantinho. Minha rua, onde aconteceu o acidente, é caminho para o local.

domingo, 9 de dezembro de 2018

Tenho uma história

Óscar Fuchs


Gostam de uma boa história? Tenho uma ótima para lhes contar:
Se você estiver em Roma, em Istambul, em Nova York, em Madri, em Toronto, em Buenos Aires, em Hong Kong... Como você chamaria um taxi? Qual palavra você usaria? Levantaria a mão e gritaria:
- Taxi!!!

Lá em Montevidéu passei por isso. Foi naquele domingo da eleição: Tabaré versus Pou, esquerda contra direita. Chovia ... chovia.... cristo, quanto chovia!  Minha mulher e eu fomos a um restaurante próximo a um shopping e, sem querer, achamos aquele restaurante que a gente não encontrava e que estava recomendado no guia. Achamos!

Taxi em Montevidéu é difícil... imagina com chuva! Taxi em Montevidéu tem um vidro que separa passageiros do motorista... e tem uma “gaveta” na qual você “enfia” o dinheiro ao pagar a corrida. Só em “pesos” uruguaios.

Muita chuva, poucos taxis. Combinei com minha mulher: quando o taxi chegar, entre no banco de trás que eu entrarei no banco da frente, assim a gente se molha menos.

E assim, foi: sentei no banco da frente. A chuva batendo.. e minha mulher lá, no banco de trás, atrás do vidro, isolada. No banco da frente, ouvi uma música, volume muito baixinho... então perguntei aochofeur, em portunhol:
- Que estás ouvindo?
- Schubert.  – Respondeu ele, e completou - Prefiro Mozart, pero...

Não sou muito fã de Schubert, disse ele. Nem eu, disse eu. Como aquele colega trabalhador motorista de taxi, eu também prefiro Mozart. A partir daí, a chuva forte, ochofeur e eu falando sobre música. Pouco se enxergava, mas continuávamos rumo a nosso destino. Ele entendia tudo de música clássica. Seu pai fora músico e ensinou-lhe como apreciar. Nos deleitamos falando de Mozart, nosso ídolo. Ele fazendo o percurso, feliz da vida por poder conversar com alguém que compartilha sua paixão, Mozart, e eu também... mais feliz ainda!
Perguntei se ele sabia de onde vinha a palavra “taxi”, já que trabalhava nisso e era seu “meio-de-vida”. Imediato e enfático, respondeu: “SIM!”
E contou-me toda a história que eu já sabia, mas que ouvi com extrema atenção e respeito porque, sem dúvida, ele é muito mais digno de contá-la do que eu. Segue a história:
“Naquela época, à época de Mozart, músicos e compositores eram consideradosmeros instrumentos do Estado, serviam apenas para deleitar o rei e distrair o povo.
Para sobreviver, compositores tinham que se submeter e vender seus trabalhos, daí a importância de ser Kepellmeister, pois sendo o mestre do rei, mais prestígio se teria e, portanto, mais se poderia cobrar.
Em Viena havia um barão muito rico. Ele alugava coches ou charretes. As pessoas que queriam ir a uma ópera ou a um concerto da corte, tinham que fazer isso em grande estilo. Porém, muitas famílias não tinham condições financeiras ou de espaço para manter uma charrete, uma carruagem ou um coche. Percebendo isso, esse barão passou a alugar coches para aquelas pessoas que queriam ir ao concerto do rei e que não podiam chegar lá a pé. Questão de imagem!
Esse barão tinha uma filha e ela completaria quinze anos em breve (lembram da tradição das debutantes?). Ora, para todas as ocasiões especiais, mandava a tradição e o ritual da corte que se fizesse “algo especial”, enfim, que o paiencomendasse uma peça, uma música, que seria a marca daquela cerimônia. No caso, uma adolescente que está se tornando mulher.
Mozart fez muito isso, para sobreviver. Até música para circenses ele fez! Bem, Mozart conseguiu ser contratado para fazer a peça de debutante da filha daquele barão riquíssimo e nobre! E não fez por menos.
Mozart criou uma música que, até hoje, é citada como uma das maiores maravilhas do mundo: Eine Kleine Nachtmusik. Isso significa, numa tradução literal, “um tipo de música noturna”. Já, numa tradução livre, seria: “uma musiquinha na noite”. Que “musiquinha”, hein?”
Tenho certeza que qualquer pessoa que ouvir apenas a introdução, vai identificar: https://www.youtube.com/watch?v=Ytpj0lg5Cmk&list=RDYtpj0lg5Cmk#t=0
Não terminou ainda! Imagine que você esteja saindo de casa para assistir a um concerto de Mozart. Imagine que você vai pegar um taxi... você tem que pegar um taxi para ir a um concerto no centro da cidade! Imagine que esse concerto seja a obra Eine Kleine Nachtmusik e você reclama porque não consegue achar um taxi. Pergunto: sabe por que esse veículo que você está esperando ansiosamente e do qual você precisa tanto, se chama taxi? Talvez nem o próprio motorista saiba.
Pois bem, você só vai chegar a esse concerto (Eine Kleine Nachtmusik), com toda a sua pompa e circunstância (Elgar), usando aquele motorista de taxi. Ele só está ali para levá-lo onde você quiser. Pois aquele barão que encomendou aquela música a Mozart, para sua filha que fazia 15 anos, que alugava carruagens e coches, que fazia parte da corte... se chamava Barão Von Taxi!  Por isso, em qualquer parte do mundo que você esteja, “taxi” é uma palavra universal, por causa daquele Barão! Mas, sobretudo, por causa de Mozart, que nem viveu o suficiente para saber disso.”

E chegamos.