CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

domingo, 24 de fevereiro de 2019

Os mitos

Óscar Fuchs

Depois de morrer, ele chega a um lugar qualquer e encontra outro sujeito.
─ Inferno. ─ Diz ele.
─ Hein? ─ Pergunta o outro.
─ Quero ir para o inferno. Quero ver todos aqueles canalhas queimando, os políticos corruptos, os corruptores de políticos, os que votaram nos políticos corruptos... faço esse sacrifício, só pela satisfação. ─ Ele explica.
─ Ah, não tem nada disso, não. ─ Diz o outro com um leve sorriso.
─ Como assim?
─ Não tem.
─ Então, não existe isso de céu e inferno?
─ Não.
─ Quer dizer que ninguém é punido?
─ Ninguém.
─ Nem pastor picareta, nem miliciano?
─ Não.
─ Juiz de futebol?
─ Também não.
─ Mas, e isso aqui, o que é isso aqui?
─ Aqui? Nada.
─ Como, “nada”? Tô te vendo!
─ Sim, e...?
─ Ah, não me enrola. É pegadinha, né? Essa fumacinha pairando na atmosfera, esse chão branco limpíssimo, tem você!
─ O que tem eu?
─ Confessa, vai. É sacanagem que vocês fazem com os novatos, já saquei. Você tá todo de branco!
─ Tá, e daí?
─ Como “e daí”? Essa é exatamente a imagem que divulgam pra gente: chegando lá em cima, você vai encontrar... isso aqui!
─ “Em cima”, do quê?
─ Ah, você sabe, eu não vou ficar explicando detalhes!
─ Certo. Então podemos ir.
─ Aí é que está! Ir pra onde? Pra que inferno de lugar vocês levam a gente?
─ Já falei que não tem esse negócio de inferno.
─ Tá bom, tá bom! Já entendi! Mas tudo tem uma razão, um motivo, tudo tem um objetivo, tem uma...
─ Qual razão você acha que deveria ter?
─ Vem cá, antes de chegar aqui você foi atendente de telemarketing ou psicólogo, né? Nunca responde uma pergunta?
─ É que as suas perguntas...
─ Eu sei, eu sei, as crenças, as religiões, Kant, Nietzsche, Schopenhauer...
─ Mito.
─ Quê?
─ Tudo mito.
─ Então é Lévi-Strauss?
─ Você apenas existiu, agora é nada, só isso.
─ Então, é o ser lá embaixo, e o nada aqui?
─ “Lá embaixo”...?
─ Você entendeu! É isso?
─ Isso mesmo.
─ Putz, era Sartre? Espera, pra onde a gente tá indo? Mas que atendimento ruim, hein? Tem ouvidoria?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Gatos


Estou criando uma coleção de tiras com as filosofadas da Filó. Agora, com a chegada do livro, tive que dar um tempo. Retomarei logo.




Soube que o colega Nando Gross adotou há algum tempo uma gata de estimação. Quando era colunista d’A União, Carlos Romero, colega também colunista, teve problemas com ratos embaixo da casa e, após várias tentativas de combate aos roedores, tomou uma medida radical: adotou um gato. Na ocasião escrevi uma coluna dando dicas a Romero, pois era perceptível sua inexperiência com gatos. Pra começar, ele sequer sabia que, entre os felinos, quem caça é a fêmea. O tal empoderamento feminino já é vigente há milênios entre os bichanos. Claro que gatos machos também perseguem e capturam ratos, mas apenas para brincar, para treinar, ou para fingir que mandam no pedaço.

Naquela época fazia sucesso o filme O Exterminador do Futuro. Mesmo sabendo que o animal não sairia à caça, sugeri que Romero batizasse o gato de Schwarzenegger. O problema é que toda vez que Romero chamava o gato, o animal fugia correndo pensando que estava sendo xingado. Isso sem contar a dificuldade de chamá-lo: tente pronunciar três vezes seguidas o nome Schwarzenegger.

Como eu previra, Schwarzenegger não correspondeu. Capturava um que outro rato, de tempos em tempos, só por diversão. Acabou ficando porque Romero se apegou a ele. Quanto aos ratos embaixo da casa, Romero se mudou.

Agora, para o Nando, um naco de história: Por que há gatos em todo o mundo? Eles ganharam o mundo graças às grandes navegações, durante os séculos XV e XVI. Navios passavam meses ou anos nos mares. Uma das maiores pragas nos navios eram os ratos que, além de consumirem e inutilizarem a comida, transmitiam doenças e atormentavam os marinheiros. O raciocínio foi o mesmo do Romero: em cada porto de partida, gatos eram embarcados. Ao chegarem ao destino, os navios eram esvaziados para limpeza e reparos. Lá se iam os gatos, saltitando por outro porto, muito longe daquele em que viviam. Assim, se espalharam pelo planeta.

Quem convive com gateiros certamente já conheceu alguma gata chamada Bastet, ou Bast, ou outras grafias do nome. Já percebeu como há figuras do Egito Antigo representando gatos? Isso porque eles cultuavam a deusa Bastet, mulher com cabeça de gato. O animal era muito querido por proteger as mulheres contra invasores e quem os ferisse era punido com a morte. Em 525 a.C., na batalha de Pelúsio, no Baixo Egito, o rei persa Cambises II ordenou a seus soldados que usassem gatos como escudo, prevendo que não seriam atacados pelos egípcios por causa de sua veneração a Bastet. E funcionou. Os egípcios de Pelúsio se renderam. Foi algo como “basta um jipe, um cabo e um soldado...”.

Gengis Khan também usou gatos em batalha. Ao tentar transpor a Grande Muralha da China, uma cidadela resistia ao cerco de suas tropas. Depois de várias tentativas de tomada do povoado, Khan enviou emissários impondo condições: ele levantaria o sítio se lhe entregassem, entre outras coisas, mil gatos. As “outras coisas” eram apenas despistes. Quando os aldeões lhe deram o que pedia, mandou que seus soldados amarrassem longas cordas com estopas embebidas em óleo no rabo dos gatos. Atearam fogo às estopas e os bichanos apavorados voltaram em correria para a aldeia que se rendeu para não ser totalmente incendiada.

Para terminar, a polêmica do angorá. O angorá legítimo e puro não existe mais. Alguns insistem – sobretudo aqueles criadores que visam a comercialização da “raça” – que os angorás de hoje são os originais, mas não é verdade. “Angorá” vem de “Ankara”, cidade da Turquia que é a origem desse gato. De lá foi levado como souvenir para a Europa. Em vias de extinção, os turcos pesquisaram e fizeram uma mistura com outros gatos, que deu origem a esse que é chamado de “Angorá” por alguns, por “persa” por outros e é classificado como “pelo longo” por algumas entidades. Então, quando alguém disser a você que tem um gato angorá, ou que viu um gato angorá, é outra fake news.