CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

sexta-feira, 29 de março de 2019

Arminha


segunda-feira, 25 de março de 2019

Figurinha

Óscar Fuchs

O Armando sabia perfeitamente que quando uma mulher diz uma coisa, na verdade quer dizer outra. Se uma mulher diz “Ai, tô horrível hoje!”, ele sabe que ela está dizendo “Me elogia, vai!”. Não é à toa que sempre foi o maior conquistador da turma: sabia perfeitamente o que as garotas queriam dizer e o que queriam ouvir. Ele treinou para isso a vida toda, para interpretar as mulheres. Até o dia em que conheceu a Janete.
Armando já estava naquela idade em que se definia como um “coroa apetitoso” e em que se considerava um intérprete infalível das frases femininas. Janete  tinha a mesma idade e tiveram uma conversa rápida quando se conheceram no lançamento de um livro. Depois de alguns olhares trocados, ele se aproximou sorrindo:
─ Espero que gostemos. ─ Disse, na fila de autógrafos.
Ela virou-se como se não o tivesse notado ali às suas costas, mas ele sabia que fingir surpresa é um dos artifícios femininos.
─ Vou gostar, com certeza. ─ Respondeu Janete ─ Já li os dois anteriores.
Quando ele fingiu-se impressionado e disse que ela parecia uma leitora voraz, ela explicou que estava lendo mais nos últimos tempos. Armando interpretou que ela estava sozinha e passava mais tempo em casa, lendo.
Alguns dias depois, por acaso ou não, tiveram outro encontro casual. Trocaram telefones:
─ Mas não me liga ─ pediu ela ─, manda wats . Correria de trabalho, entende?
Ele entendia, mas sabia que não era isso. Na verdade ela não queria ser pega de surpresa, queria pensar bem antes de responder a ele.
Armando mandou o watts:
─ Que tal um café... um vinho... ou qualquer... outra coisa?
Perfeito, pensou. Convidativo, bem humorado, insinuante e o mais importante: provocativo.  Da resposta poderia tirar várias conclusões, só analisando o que ela escrevesse. Mas ela não escreveu. Em vez disso, mandou uma figurinha. O desenho de uma moça com as mãos espalmadas para cima, com os ombros encolhidos e que tanto poderia significar talvez, como você que sabe ou prá quê?.
Tentou outro wats, mais objetivo, onde perguntava apenas topa? E ela respondeu com a figurinha de uma piscadela. O que significaria essa piscadela? Perguntou-se. Terceira tentativa, outra pergunta e veio outra figurinha: uma carinha de surpresa. Indecifrável, pensou.
Há três meses Armando vem tentando interpretar a Janete, mas só recebe figurinhas dúbias. Está tenso, anda inquieto, ansioso. O que fazer agora? Começar tudo de novo? Anos e anos compilando mentalmente o sentido das respostas femininas, pra nada! A essa altura da vida terei que estudar uma nova linguagem?

E enviou a ela a figurinha mais enigmática que conseguiu encontrar, um pouco por vingança, um pouco por provocação. Quem sabe agora ela manda uma resposta civilizada, pensou.

segunda-feira, 11 de março de 2019

Zodíaco

Não se conheciam, se encontraram, assim, numa noite qualquer, num bar, por acaso:
─ Oi, sou o Gerson.
─ Oi. Sou a Andréa.
─ Quer beber alguma coisa, Andréa?
─ Não sei...
─ Que tal um Martini?
─ Eu tava pensando nisso, mas...
─ Então, que tal uma cerveja?
─ Você vai beber o quê?
─ Cerveja.
─ É, cerveja ia bem.
─ Então, duas cervejas.
─ Mas... acho que vou no Martini, Gerson.
─ Ok, um Martini e uma...
─ Tô indecisa...
─ Ãhã... indecisa...
─ Isso.
─ Entre Martini ou cerveja?
─ É. O que você acha?
─ Olha, acho que... não tem muita importância pra esse momento, entende?
─ Tá, cerveja.
─ Duas cervejas, então.
─ Me diz, Gerson, qual é teu signo?
─ Aquário.
─ Uhm...que legal! Gosto de aquário por que são sempre do contra.
─ Não concordo.
─ Tá vendo?
─ É. Mas tive que discordar.
─ Pois é, qualquer coisa que a gente diga, o aquariano discorda.
─ Discordo.
─ Eu sei. Vocês, aquarianos, não acreditam em nada do que a gente diz.
─ Isso não é verdade.
─ Tá vendo?
─ Tá bem... acontece que tudo o que vocês dizem sobre os aquarianos, nem sempre é verdade.
─ Eu disse uma verdade agora. E a sua resposta foi uma prova.
─ Que prova? Isso não é uma prova, é uma suposição!
─ Razão e suposição. Vocês sempre acham que estão com a razão.
─ Peraí. Até agora você só falou “eu acho”, “talvez”, “suponho”, “às vezes”...
─ E daí?
─ “E daí” que você não é definitiva em nada!
─ Como assim?
─ Você não é objetiva, direta, assertiva, específica!
─ Acho que sou.
─ Tá vendo? Até nisso, você “acha”.
─ Questão de opinião, só isso!
─ E qual sua opinião?
─ Depende. Sobre o quê?
─ Sobre... sobre o que a gente estava discutindo?
─ Deixa eu pensar... ih, não lembro.
─ Nem eu. Tá, esquece. Vamos começar tudo de novo.
─ Tá bem, Gerson.
─ Não. A gente ainda não se conhece, então você ainda não sabe meu nome.
─ Ah, tá bem.
─ Tô chegando. Você não me conhece. Oi, sou o Gerson.
─ Oi, sou a Andréa.
─ Oi, Andréia... qual seu signo?
─ Êpa... você tinha que me perguntar o que eu queria beber!
─ Por que? Quando?
─ Ah, entendi, desculpe. Nada aconteceu, é tudo novo, ok.  Meu signo? Sou Gêmeos.
─ Típico.
─ O que quer dizer?
─ Por isso você nunca tem opinião, fica sempre entre uma e outra...
─ Ei, a gente não combinou de “começar tudo de novo...”?
─ E começamos!
─ Então, por que você está usando coisas do tempo que a gente ainda nem se conhecia?
─ Se a gente não se conhecia, como poderia saber disso, saber que eu sei, hein?
─ Ah, não! Não me venha com essa racionalidade!
─ Tá bem, esquece tudo, a gente nunca vai se entender mesmo.
─ Ah,é? E depois disso tudo, como é que vou te esquecer?
─ Hein?
─ Vai ser impossível, né?
─ Viva! Finalmente você disse algo afirmativo, objetivo, direto!
─ Meu bem, eu já tinha dito algo...
─ Não fala nada! Vamos sair daqui, vamos pra onde só exista a gente, onde possamos ficar sozinhos, pelados, felizes e livres!
─ Mmmmm... Legal!
─ Gostou, né?
─ Tô pensando.

sábado, 9 de março de 2019

Narração profissional


Chegando o carnaval, lembrei do incidente cômico de uma viagem que fizemos, aproveitando os feriados. Dois casais, cinquenta minutos até o aeroporto de Florianópolis, bagagem para cinco ou seis dias.
    No mesmo voo está o conhecido narrador esportivo Armindo Antônio Ranzolin e a família. Apesar da viagem ser curta e rápida, na chegada a correria é geral. Claro, feriados e Floripa combinam e convidam. A ansiedade aflora.
    Do desembarque até a esteira de bagagens, todos os passageiros naquele passinho apressado de gueixa, quando a gente tá correndo sem querer mostrar que está correndo. A esteira está contornada de gente louca pra aproveitar as praias e os dias de folga.
    Malas, bolsas e mochilas começam a surgir daquela janela que parece a entrada de uma casinha de ratos e vão sendo resgatas aos poucos. Vem minha mala, eu pego. Vem outra mala das nossas, eu pego. Outra, pego. Só falta a bolsa da nossa amiga.
    Lá no início da esteira, por onde as malas chegam, se posiciona o Ranzolin, atento. De repente, com aquela voz de trovão dos locutores de futebol, ele grita de lá:
    - Olha, gente, tá passando um soutien que deve ter caído de uma mala.
    Risadas, algumas gargalhadas e todos na expectativa, atentos à trajetória do soutien solitário, desfilando na esteira. Qual das mulheres da fila pegaria a peça íntima? Mas o soutien faz toda a volta e não é resgatado.
    - Ahhhhh... – Ecoa o lamento de uma turminha de rapazes que já está no clima de carnaval.
    Com certeza, a delicadeza com bagagens,que é  típica dos funcionários de companhias aéreas, rasgou ou arrebentou o fecho da bolsa, espalhando seu conteúdo. O soutien retorna para outro desfile e se renova a expectativa. Todos os olhos o seguem. E então:
    - Agora veio uma calcinha! – Brada o Ranzolin lá do canto.
    Todos se viram naquela direção. Surge um novo elemento.
    - Agora vai! – Diz um daqueles rapazes.
    Mas, outra vez, a frustração:
    - Ahhhhhh.... – Lamentam.
    Ninguém pega as peças. Agora são uma calcinha e um soutien dando voltas e todos rindo. Eis que:
    - Outra calcinha, pessoal! – Anuncia Ranzolin.
    A esposa lhe dá um tapinha nas costas, repreendendo-o por estar chamando a atenção para algo que deixa qualquer mulher constrangida. Ele se justifica, só queria ajudar!
    Então começam a surgir várias peças íntimas, espalhando-se esteira afora e, cada uma delas, sendo narrada por Ranzolin como se estivesse anunciando a escalação de um Grenal.
    Nossa amiga dá um beliscão no marido que estava se divertindo com a situação e lhe diz entredentes:
    - Pelo amor de Deus, faz aquele homem calar a boca!
    - Ué, por que? – Pergunta ele ainda esfregando o braço ardido do beliscão.
    - Porque essas calcinhas são minhas! – Diz ela, raivosa.
    Mas ela própria percebe que não há como fazer “aquele homem calar a boca” e, conformada, constrangida e irada, puxa sua bolsa com força da esteira e começa a catar as calcinhas e soutiens que lentamente circulam.
    Aos poucos as pessoas vão pegando suas malas e deixando a esteira, enquanto a gente espera para ter certeza de que nenhuma outra calcinha apareça.
    Toda vez que penso em futebol, lembro dessa amiga que, mal ou bem, teve suas calcinhas e soutiens narrados por um dos maiores locutores do Brasil. É de se orgulhar!

sexta-feira, 8 de março de 2019

Fantasia