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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

DIMENOR - menino de rua



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Jogos

Nunca ganhei bola nova. Nem bicicleta nova. A única bicicleta que ganhei era do irmão mais velho. Mas ganhei jogos, muitos jogos. Lembro que meu pai, num daqueles natais, deu-me um jogo de gamão e um incentivo:
— Só pessoas muito inteligentes jogam gamão.
Peguei a caixa eufórico, sentei na cama com o tabuleiro aberto, li todo o manual, com toda a atenção, tin-tim por tin-tim... seria o campeão mundial de gamão! Mas não entendi nada. Papai tinha razão: Só pessoas muito inteligentes jogam gamão.
Lembra aquela coleção de jogos? Tinha trívia, ludo, víspora, dama, xadrez chinês, tudo num só. Quem tem minha idade lembra. A caixa vinha cheia de peças, peões, roletas, dados, cartas, rodinhas, quadradinhos, etc. Com o quê, afinal, se deveria jogar?
Meu irmão mais jovem e eu, ansiosos por estrear o jogo, não tínhamos paciência para ler todo o manual. Então, inventávamos regras totalmente diferentes, complicadíssimas, pelas quais devíamos jogar os dados três vezes, sendo que em duas delas deveriam sair resultados iguais, o que daria ao jogador direito de tirar uma carta que, jogada para o alto, deveria cair com a face para cima, então poderia girar a roleta e... não lembro o resto, mas sempre dava briga. Elegíamos meu pai como foro de discussões e juiz supremo. Levávamos a ele o jogo e o manual. Papai passava os olhos pelo manual e decretava:
— Na sua vez de jogar, deve girar a roleta e adiantar sua peça.
— Só isso? — Perguntávamos.
— Só isso.
— Então, não tem graça. — Saíamos decepcionados com a simplicidade.
Não sei entre vocês, mas lá em casa quem ganhava tinha direito de bater no irmão mais novo. Não sei entre vocês, mas lá em casa quem ganhava era sempre meu irmão mais novo. Sentindo-se prejudicado, ele levou a juízo uma questão: como poderia bater no irmão mais novo, se o irmão mais novo era ele? Ganhava sempre, mas não batia em ninguém, assim não tem graça! Diante do pleito, mudamos as regras: quem perdesse é que teria direito de bater no outro. Como ele sempre ganhava, esfreguei as mãos e iniciei a partida. Ganhei a primeira, a segunda e nunca mais perdi. De uma hora para outra, como se sofresse uma amnésia, meu irmão começou a perder e não parou mais. Eu era implacável, imbatível! Bem, nem tão imbatível. Percebi que desde que mudáramos as regras, ele batia em mim ao final de todas as partidas.
Quando ganhei um jogo de xadrez, botei na cabeça que não iria acontecer o mesmo que aconteceu com o gamão. Aprendi a jogar pelo manual. Tudo bem, algumas regras não haviam sido bem entendidas, por exemplo, o cavalo avançar em L. Por que o cavalo dava dois passos para frente e um para o lado? O cavaleiro estava bêbado? E o rei. Por que o rei, que é o mais poderoso, que manda em todos, só pode andar uma casa? Por que ele não dá uma ordem mudando as regras?
— Eu, como rei, decreto que daqui por diante poderei andar em
todas as direções, quantas casas quiser.
Garoto do interior, tudo o que chegava era novidade. Um dia ganhei
uma caixa e o nome do jogo era quebra-cabeças. O que teria ali dentro: um porrete? Inventaram um jogo especial para bater no irmão mais novo? Abri e vi milhões de pecinhas disformes. Nenhuma roleta, nenhum dado, nenhum peão. Imediatamente elucubrei regras: joga-se uma peça para cima para ter direito a escolher uma segunda peça que... mas não era nada daquilo.
— É só montar, juntando as peças. — Disse meu irmão mais novo.
Não vi graça nenhuma e bati com a caixa na cabeça dele. Foi minha última tentativa com quebra-cabeças, que também não funcionou.
Depois veio aquele outro jogo... como era o nome mesmo? Tinha
pares de figuras iguais... deixa eu lembrar do nome... você tinha que virar uma carta e saber onde estava a réplica... como se chamava? Se você virava a figura das pirâmides do Egito, por exemplo, tinha que saber onde estava a outra figura das pirâmides do Egito... eu sempre perdia e sempre apanhava... não vou lembrar o nome do jogo, nunca fui bom de memória. Só sei que depois inventamos diversos outros jogos com as cartas daquele. No último Natal meu irmão mais novo veio visitar-me e reeditamos aquelas disputas lúdicas. Jogamos a tarde inteira. Nunca apanhei tanto.