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terça-feira, 24 de maio de 2011

Popularesco

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Vai no popularesco

(Óscar Fuchs)

Não tenho aqui em casa uma peça para ficar só, um escritório, por exemplo, onde eu possa pensar e escrever. Então, uso o banheiro. Tem quase tudo o que teria um escritório: silêncio, privacidade, um lugar confortável para sentar e pensar, tem papel, sem contar que posso fazer duas coisas ao mesmo tempo. Ali dou minhas filosofadas. E, na pressa de escrever, saio a cata: cadê o papel... cadê o papel...?

Filosofada quentinha: o popularesco tomou conta de tudo. Não o popular — que é autêntico do povo, que é de suas raízes —, nem o populista — que tem viés político, artístico e até cultural —, mas o popularesco mesmo!

O popularesco, ao contrário dos outros, tem finalidade exclusivamente comercial, é obra da mídia e empresários cúmplices para ganhar dinheiro, nada mais. O cinema lança semanalmente filmes bobos e sem propósito com estorinhas de vampiros idiotas, colegiais tolos, lendas nórdicas mentirosas e até fatos históricos distorcidos. E o cinema paga muito para fazer propaganda massiva de seus produtos.

Aos Paulos Coelhos é dado status de escritor e cult, a pseudo-sertanejos americanizados é dado o lugar dos autênticos caipiras, pagodes chorosos e falsos tomam o espaço de verdadeiros sambistas. A MPB, Música Popular Brasileira, virou Música Popularesca Brasileira.

A televisão virou um espetáculo de bizarrices nojentas e apelativas nos programas de auditório, nos jornalísticos sensacionalistas cheios de violência e encenação, nas novelas com tramas superficiais, simplificadas e maniqueístas, bem ao gosto da população “inculta e bela”. É o circensis, é a concretagem da mediocridade e da ignorância.

Todos os meios de comunicação — jornais, televisões, rádios e grandes provedores de internet — escancaram seu espaço e seu tempo para o futebol, o mais popularesco dos esportes e dos assuntos. E a massa, ignara, cai na armadilha.

Cai na armadilha e sai parlapatando — parlapatação é o falar do papagaio, a repetição — tudo o que ouve e lhe dizem como se fosse culto, de bom gosto e até erudito.

Isso dá dinheiro. O culto e bem informado é exigente, quer o melhor pelo menor preço, é muito chato, dizem as empresas. Já para o desinformado e inculto é mais fácil vender, ele consome os produtos baratos e de má qualidade com avidez, sem exigir e sem reclamar.

Soube que o caderno de cultura dos jornais — surpresa! — é um dos mais lidos. Compreensível: todos os inconformados com esse popularesco se juntam na leitura de um único veículo, aquele que ainda traz algum conhecimento. No entanto, em geral, os jornais têm apenas um caderno de cultura por semana. Ora, se é tão lido, por que não é editado mais vezes na semana? Simples: porque é lido, mas não é anunciado. Poucos querem anunciar nesse caderno, pois o leitor é — como disse — bem informado e exigente... em suma, um chato. Tudo é apenas uma questão de dinheiro. Mas, se não dá dinheiro, por que continuam editando ao menos um caderno de cultura semanal? Um ínfimo resquício de vergonha e moral dos donos da mídia conserva algo assim mais, digamos, digno.

O pior, mas o pior mesmo, é que quem tenta alertar a vítima do popularesco, não consegue. Simplesmente porque esse alerta não é algo de seu universo popularesco.