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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ONOFRE, o novato no campo

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Imprudência

(Óscar Fuchs)
Tenho orgulho de ser um daqueles homens que fazem várias tarefas caseiras, dividindo-as com a querida companheira. A querida companheira, no entanto, às vezes exige demais de um pobre e incompetente homem do lar. A ver: aqui no harmonioso lar aproveitamos rotos panos de prato e puídas toalhas de rosto como pano de chão. Creio que isso acontece em todos os lares.
— Lavou esses panos todos juntos? — Perguntou a querida companheira ao ver-me retirando-os da máquina.

— Sim. — Respondi.

— Os panos de prato misturados com pano de chão?

Analisei os panos e não consegui diferenciá-los. Então, depois da detida e atenciosa análise, perguntei:

— Tem algum pano de prato aqui no meio?

Ela deu um suspiro de impaciência e apontou-os:

Todos são panos de prato.

— Ãhnnnnnnn! — Proferi majestosamente, expressando minha total compreensão e entendimento.

Com a ponta dos dedos, do meio daquela bola de panos úmidos ela pinçou um deles, levantou-o à altura dos meus olhos e revelou:

— Menos esse.

Fiquei chocado. Como, entre tantos panos de chão...

— De prato. — Corrigiu-me professoral.

Isso. Como, entre tantos panos de prato, conseguiu distinguir o único pano que não era?

— Que não era o que? — Perguntou-me

— Que não era... — mordi os lábios com temor ante tão decisiva resposta. Minha capacidade, meu cérebro, minha inteligência e percepção como ser humano estavam em jogo. — Que não era... que não era... de chão?

— De prato. — Corrigiu-me.

Putz! Errei de novo. Mas continuei:

— Isso! Como conseguiu distingui-los?

Pegou o pano de chão — ou o pano de prato, já não sei mais — e o estendeu sobre a máquina. Em seguida pegou o pano de prato — ou pano de chão — e estendeu ao lado do outro.

— Não vê a diferença? — Perguntou cruzando os braços.

Deixe-me ver: pano azul, um vaso de flores no centro, muitas flores coloridas. O outro... pano azul, vaso de flores, muitas flores coloridas. Temendo uma repreensão pela falta crônica de atenção, respondi:

— Na verdade — incorporei um Hercule Poirot, analítico e detalhista —, os vasos parecem ter uma pequena diferença.

— Errado. Entre as flores desse vaso, olhe aqui, há uma pequena buganvile. No outro não há nenhuma buganvile.

Incrível! Como não percebi? Estava literalmente estampado na minha cara! Estou vendo agora: uma florzinha do tamanho de um pingo d’água encoberta por outra, ligeiramente vermelha e meio assombreada...

— Isso é uma flor mesmo? — Perguntei ainda não acreditando na minha cegueira irreversível.

Ela apenas balançou a cabeça num paciencioso sim. Segundo ela, não se pode lavar panos de chão com panos de prato porque as coisas sujas, como ela diz, se transferem de uns para os outros. Então eu cometi o erro fatal, o atentado ameaçador, a agressão imperdoável para qualquer mulher: usei a lógica.

Sem qualquer intenção de ferir ou de apelar, apenas perguntei com inocência:

— Mas, se os dois panos são lavados, não é para os dois ficarem limpos? E se ambos estão limpos, como podem sujar um ao outro?

Daqui a uma semana, quando a querida companheira voltar mais calma da casa da mãe, pedirei desculpas pela imprudência.