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terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Psiu Kólogo, o barman

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A lista - Parte I

(Óscar Fuchs)

Escândalo da violação do painel eletrônico - A prova material
Na falta de uma cópia da lista surrupiada do painel, a fita degravada pelo perito Ricardo Molina contém uma confissão de ACM (Isto É, 25/04/2001)

Só agora, passados os anos, posso revelar tudo. Nós, os detetives, passamos por essas vicissitudes. Não sei o que significa a palavra, mas gostei dela: sibilante, felina, sensual, os ésses carnudos, consoantes torneadas e bem feitas, pingos nos is brilhantes e vivazes, como se fossem estrelas. Porém, como acontece com todas as beldades que entram lânguidas em nosso escritório, temos que ignorá-las. É outra vicissitude. E eu a ignoro. Ignoro por completo, pois nem sei o significado. Afora isso, só me importuna a falta crônica de dinheiro e essa voz chatinha e anasalada que nós, detetives, usamos para contar nossos casos. Como esse:

Eu disse carambola e uma mão deslizou um envelope branco até mim. Não sei quem era, apenas deslizou o envelope sobre o balcão, levantou-se e saiu. Fiquei olhando para o envelope. Foi só isso. Havia sentado ao balcão da lanchonete e pedido a Topada meu suco preferido:
— Carambola.
Então o envelope deslizou pelo balcão até mim. Topada vinha trazendo meu suco e não reparou em nada. No caminho, pra variar, Topada deu uma topada e entornou metade do meu suco, por isso eu sempre pago só meio suco: Topada nunca consegue me servir o suco inteiro. Enquanto bebia meu meio suco de carambola, olhava para o envelope. Um envelope branco, sobre o balcão. Chamei Topada que deu quatro passos e uma topada em minha direção.
— Quié? — Disse ele, enfático.
— Acho que aquele senhor esqueceu isso aqui. — Apontei para o envelope.
Topada olhou para o envelope e sorriu:
— Ele estava sentado aí há duas horas. Disse que precisava entregar o envelope a alguém. Perguntou se alguém tinha falado “carambola” antes de ele chegar. Falei a ele que não conhecia esse tal de “Alguém”. Será que estava esperando você!? — Perguntou Topada. Depois deu uma topada de volta ao liquidificador.
Esperando-me? Por quê? Quem é ele? O que é essa coisa preta com asas no meu suco? Perguntei-me baixinho. Tão baixinho que nem eu mesmo ouvi, por isso não me respondi. Talvez o envelope pudesse me dizer alguma coisa. Fiz as mesmas perguntas ao envelope, mas ele também não disse nada, apenas ficou ali, calado, deitado sobre o balcão, branco. Foi então que Topada fez uma pergunta direta, objetiva, reveladora, pertinente e que me fez vislumbrar todas as respostas que procurava:
— Não vai abrir?
Nunca esquecerei a descoberta que fiz. Peguei o envelope e o dirigi para a luz. Com a luz por trás pude perceber que havia um papel dentro dele. E mais: pude inclusive ver os contornos desse papel. Descobri que as pessoas sempre colocam os envelopes contra a luz antes de abri-los para verem o que têm dentro! Trago essa descoberta pela minha vida desde então. Mas minhas perguntas iniciais ainda não tinham resposta.
Abri o envelope e extraí o papel. Era uma lista. Uma lista com vários nomes. Nomes que eu já vira ou escutara, pois não me eram estranhos. Ao lado de cada nome, um “sim” ou um “não”. Mostrei a lista a Topada:
— Topada, conhece algum desses?
Topada olhou detidamente a lista, lendo com atenção. Às vezes parava, olhava para o teto e coçava a cabeça, pensativo. Por fim, me devolveu a lista balançando a cabeça negativamente:
— Não.
— Nenhum? — Perguntei.
— Nenhum.
— Tem certeza? — Insisti.
— Olha aqui. Eu faço sucos há dez anos. Já fiz suco de quase tudo, alface, beterraba, repolho, gafanhoto, mas nenhum desses aqui. Suco de arruda!? Esse José Roberto deve ser doido!
—Deixa pra lá. — Tirei a lista da mão de Topada.
Olhei dentro do envelope e havia outro papel. Uma mensagem dizia o seguinte:

“Otimov;
Essa lista é muito importante, não permita que ela se deteriore. Deve mantê-la em lugar seguro. Para saber qual será sua missão, aguarde no saguão do hotel Royal. À tarde o agente Hassam Guefrio, O Matador, procurará você com a mesma senha: Carambola. Hassam deixará um envelope embaixo do abajur da mesinha de canto. Você o pegará depois que O Matador sair. Cumprida sua missão, envie relatório para Smov.
O Chefe”

Otimov. Deve ser um codinome. Otimov, um codinome repugnante, principalmente se o lesse de trás para diante. Manter a lista em lugar seguro para que não deteriore, como os biscoitos. Royal, como o fermento, hotel Royal. Hassam Guefrio, “O Matador”. Meu Deus! Onde estaria me metendo!? Mesinha de canto. Eu nem sabia que havia uma mesinha especial para se cantar! Peguei o envelope e saí apressado da lanchonete. Topada tentou correr até mim. Ouvi um baque e olhei para trás. Topada estendeu o braço e me entregou o papel:
— Você esqueceu a lista de sucos! — Disse ele, estirado na calçada.
A lista, o que fazer com ela? Atravessei a rua e me dirigi ao escritório dos irmãos gêmeos. Eles sabiam tudo de nomes. Qualquer coisa que quisesse saber sobre nomes, devia procurar os gêmeos.
(Como todo bom seriado, essa história continua no próximo capítulo ou, nesse caso, na próxima postagem.)