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segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Do armário

(Óscar Fuchs)

Nos domingos de sol a querida companheira e eu, geralmente, almoçamos fora. Saímos de casa assim, sem saber a qual restaurante ir. Fazemos um passeio e depois decidimos. Mas antes, ainda em casa:
         — O que, você vai de abrigo de futebol? — Pergunta a querida companheira.
         — Sim. — Respondo.
         Sempre fui fascinado por “linguagem corporal” e, depois de trinta anos de convivência, a gente consegue ler perfeitamente os gestos da outra pessoa. A querida companheira colocou as mãos na cintura e já dei meia volta para trocar de figurino. Nem precisava ouvi-la dizer:
         — Você não vai a um jogo de futebol, vai a um restaurante. Sozinho! Porque não vou com você vestindo esse abrigo velho.
         Aqui em casa é diferente. Ao invés de a mulher passar horas defronte o armário escolhendo roupa, eu é que faço isso. Não para contentar a mim mesmo, mas a ela. Abri as portas do armário e as dúvidas pularam lá de dentro feito duendes, saltitantes à minha volta:
         — Veste a bermuda... a bermuda... — dizia um duende com seu risinho agudo e irritante.
         — A camiseta cinza... a cinza... — insuflava outro.
         — É uma boa, — respondi a eles, neurótico — bermuda “à la” militar e camiseta cinza, neutra... não tem erro!
         Vesti e voltei à sala, onde a querida companheira esperava, já impaciente.
         — Então, que tal? — Exibi-me.
         — Com essa camiseta? É velha, já encolheu e ainda tem essa frase idiota.
         — É bem humorada!
         — Uma seta apontando para baixo e escrito “Piu-Piu solto” é humor pra você?
         — Tá bem, troco a camiseta.
         Cheguei ao armário e peguei outra camiseta, ao que ela gritou lá da sala:
         — Essa da estampa “Fofucho” também é ridícula!
         Devolvi a camiseta ao armário, suspirei, e decidi mudar todo o figurino. “Calça jeans e camisa jeans. Jeans nunca falha, é normalíssimo, combina com qualquer lugar”, pensei.
         Troquei tudo pelo jeans e voltei à sala.
         — Nós dois de jeans? Par de vasos? — Perguntou ela.
         — E por que você não troca, então? — Ousei.
         — Ora, porque eu vesti primeiro... e jeans nunca falha, é normalíssimo, combina com qualquer lugar.
         — Quem disse isso?
         — Com certeza, não foi você.
         Fui eu, mas não arrisco piorar a situação com uma discussão sobre direito autoral.
         — Óquei... vou trocar de novo.
         Me encaminhava de volta ao armário quando ela explodiu:
         — Não precisa, não vou mais! Cansei! Já to tirando a roupa, vou vestir minha camisola, me deitar e ver um filme no netflix... pede alguma coisa se tiver fome, eu desisti. É sempre a mesma coisa...!
         Constrangido, sem saber o que fazer, meio perdido, calado e me sentindo culpado, também tirei a roupa e fui deitar ao lado dela, que já conectava o netflix. Então ela levantou-se, colocou as mãos na cintura e eu só pensei: “Quê qui eu fiz agora?” Linguagem corporal, eu sei. E ela inquiriu:
         — Vai passar o domingo todo deitado com essa cueca velha?