CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ófi Chór


(Óscar Fuchs)

Ouvi dia desses um anúncio convidando empresários e lojistas para uma palestra cujo título é Explorando a Classe “C”. Considerei o título bem franco e sincero. Imaginei a platéia debatendo com o palestrante, que diz:
 — O Classe “C” não tem dinheiro para comprar, mas tem emprego. Se o classe “C” tem emprego, tem salário. Tudo bem, é um salário ínfimo, magrinho, de pobre. Mas é isso que podemos tirar do pobre classe “C”. Como fazer isso?
A platéia de empresários e lojistas se entreolha em silêncio. Então o palestrante responde exultante:
 — Crédito!
A platéia sorri e concorda balançando as cabeças. O palestrante retoma:
— Nós podemos dar crédito ao pobre classe “C”! Pobre classe “C” não tem poupança, não tem aplicações, não tem dinheiro, mas pobre classe “C” adora uma dívida.
Todos admitem que isso é verdade. O palestrante explica:
— Basta dar um cartãozinho de crédito ao pobre classe “C” que ele sai comprando tudo o que vê na novela. Ele acha que aquilo tudo que aparece na novela é coisa de rico.
Um dos participantes levanta a mão:
 — Ar condicionado!
— Isso, ar condicionado! — Exorta o palestrante — O que mais? O que mais?
— TV de plasma! — Diz alguém.
— TV de plasma! O que mais?
— Micro processador de frutas e legumes!
— Micro processador! Micro ondas! Micro crédito é a resposta! Damos um creditozinho a rodo, pra tudo quanto é pobre classe “C”. Eles vão correr para a sua loja, a sua financeira vai parcelar e eles vão comprar um monte de porcarias. Nada de coisa de qualidade. Vamos financiar coisa boa, mas ruim, entendem? Da china, que é mais barato.
Um participante levanta a mão para perguntar:
— Mas, onde vamos arrumar fundos para dar crédito?
— Ora, amigos. Peguem aquele dinheiro que vocês têm no exterior, metam numa Off Shore e mandem pra cá, só o valor suficiente para dar lastro às suas financeiras.
Outro participante levanta a mão:
— Mas, se ele só tem aquele salariozinho, como vai nos pagar?
— Aí é que está: ele não vai pagar! — Proclama o palestrante — Ele vai rolar a dívida, vai rolar, rolar, rolar... vai pagar só o valor mínimo mais os juros. E os juros vão acumulando, acumulando, acumulando...
— E como é que vão pagar lá no fim? — Pergunta outro.
— Com qualquer coisa, com a casa, com o carrinho um-ponto-zero, qualquer coisa que esteja registrada no nome do pobre classe “C”.
— Peraí... não foi isso que criou a crise nos Estados Unidos?
— Crise? Que crise? Ah, a bolha? Bem, lá a gente deu crédito a-torto-e-a-direito, hipotecando a casa do pobre classe “C”. Se não pagasse o crédito, perdia a casa. Ou seja, a gente ganhava duas vezes: nos juros e na casa que a gente tomava deles.
— Ta, mas se estava tudo tão certinho, por que deu errado?
— Errado? Quem disse que deu errado? Deu tudo exatamente como a gente planejou.
— Mas...
— A classe média. Uma porção da classe média resolveu usar seu dinheiro da poupança para viagens, para pagar faculdade dos filhos, enfim... só que não tínhamos dinheiro suficiente, só tínhamos para o lastro perante o Banco Central. O que a gente tinha era casa, muitas casas, casas e mais casas.
O palestrante bebe um gole d’água e continua:
— Para vender casas, precisa-se de tempo. Mas a droga da classe média não queria tempo, queria dinheiro.
— E onde estava o dinheiro que tinham ganho com os juros e mais juros?
— Nas off shore! Ilhas Cayman, Bahamas,  Liechtenstein, Seychelles, Costa RicaOs grandes investidores, os espertos, os inteligentes, os que fazem o que vocês farão. Os espertos sabiam o que aconteceria e transferiram todo seu dinheiro. Os países emergentes estavam pagando uma taxa das alturas e as financeiras e bancos alegaram que não tinham dinheiro para devolver à classe média.
— E o governo?
— Ah, pois é. Para que serve um governo? Para que a gente precisa de um governo? Para que nós elegemos um governo? Foi aí que a gente deu o golpe fatal! Aliás, esqueçam a palavra “golpe”, foi apenas “fatal”.
— Dinheiro do governo! — Comemorou um participante.
— Exatamente! — Vibrou o palestrante. E continuou: — Se o governo não queria que o país fosse à falência, tinha que dar dinheiro.
— E por que o governo não deu o dinheiro diretamente à classe média e ao pobre classe “C” que perdeu a casa?
O palestrante faz um gesto óbvio:
— Ora, porque a gente não deixou. A gente não podia permitir. Imagina aquela dinheirama toda indo pro povão... e a gente pelado, só com as casas deles! Não, nem pensar, a gente tinha que botar a mão naquela grana.
— Ta, — considera um participante — mas como conseguiram isso, agarrar todo esse dinheiro?
— Simples. A gente disse ao governo que, se quisesse socorrer alguém, teria que nos dar dinheiro. Afinal, quem é que repassaria esse dinheiro ao pobre classe “C”?  Só nós, os bancos e financeiras!
— E como fariam isso? — Alguém pergunta.
—  A gente abriria mais linhas de crédito para o povão e aí o povão poderia comprar casas para ter onde morar.
Um participante se levanta, eufórico:
— Perfeito! Compraram as casas que já eram deles!
O palestrante sorri modestamente:
— Isso mesmo. Genial, não acham?
Todos levantam-se e aplaudem. O palestrante sente-se um astro. Pede humildemente que parem de aplaudir e façam silêncio para que conclua:
— Portanto, é isso que vamos fazer. Vamos dar crédito ao pobre classe “C”, ao povão. Vamos abocanhar os juros e tomar o que eles tiverem. Então, quando começar a “quebradeira”, a gente diz que está em dificuldades e que vamos ter que demitir muita gente. Demitimos uma parte, como “boi-de-piranha”. O governo fica com medo da falta de trabalho. O pobre classe “C” já está sem casa, sem carro, sem emprego e diz que o governo é o culpado. O governo libera dinheiro para empréstimo ao pobre classe “C”. Só que o governo não vai dar dinheiro a eles, vai dar o dinheiro pra gente! E a gente vai emprestar o dinheiro a eles, com bons juros, para eles comprarem uma casinha e terem onde morar... ou pra comprar um monte de porcarias que a gente vai financiar para eles.
— E então começamos tudo outra vez! — Gargalham os palestrantes.
— Isso mesmo — instrui o palestrante — , só que vamos mudar um pouquinho o discurso, o marketing, pois eles já estarão vacinados, pelo menos por um tempinho.
Todos refletem por instantes, então o palestrante dá o encerramento:
— Mais fácil, depois, será dar crédito para o pobre classe “D”... o pobre Classe “D” é que vai nos interessar.  Mas só se o pobre classe “D” tiver algo pra gente tomar dele, lógico.

Pronto. Capitalismo é isso.

domingo, 6 de maio de 2012

A Edgar Vasques

Por que a homenagem? Basta acessar o Blog do Dégas, pra entender http://evblogaleria.blogspot.com.br/

Lá pra fora


(Óscar Fuchs)

Dentre as coisas engraçadas que acontecem no Rio Grande do Sul uma das que acho mais graça é que, quando se vai para o interior do Estado, costuma-se dizer que a gente “vai lá pra fora”. A gente vai para o interior e diz que vai lá pra fora. O interior é dentro!
Engraçado. Engraçado também é uma televisão estatal e educativa não estar entre os canais abertos. A consideração inicial foi só um intróito ( introito esse que, incrivelmente, perdeu o acento) para contar que nos fins-de-semana vou lá pra fora, pro interior. Lá pra fora só se pega TV por parabólica.
O ruim de só ter TV por parabólica é que quase todos os canais transmitem programação de fanáticos religiosos ou programação de fanáticos mercantilistas, ambos querendo vender alguma coisa inútil.
O bom da TV parabólica é que tem a TV Escola. Alguns dos melhores programas e documentários que já vi, vi na TV Escola. Aprendi até fundamentos da matemática!
Astronomia, história, geografia, comportamento, tudo que se possa imaginar há na TV escola. E tudo com uma qualidade insuperável, com documentários imparciais e pertinentes, desses que os interesses corporativos e os interesses midiáticos não permitem que sejam veiculados nas TVs abertas.
Há programas de matemática, física, química, tudo o que sempre odiei e que agora estou amando! Na minha idiotice nunca tinha entendido o teorema de Pitágoras, mas um professor da TV Escola, ultra didático, recortou três quadrados numa cartolina e demonstrou cabalmente que “Em qualquer triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos”, ou seja, c² = b² + a².  E eu entendi tudo!
Imaginem que apenas pra escrever a fórmula do teorema no computador gastei meia hora e só consegui depois de consultar diversos especialistas em matemática, informática, engenharia, arquitetura e filmes pornôs, que foi de onde tirei os palavrões após cada tentativa frustrada.
A TV Escola tem um site que é o www.tvescola.mec.gov.br/ , acessa aí! São programas maravilhosos que você não vai ver em TV alguma. Mas o site tem uma falha: há programas que você quer ver, mas que só estão disponíveis no canal da TV Escola, que só pega em antena parabólica. Deveria ser aberto a todos!
Aliás, tem uma pergunta que nem a TV Escola conseguiu me responder: por que a TV Escola não tem um canal aberto, como qualquer TV comercial que tem péssima programação? Imaginem a pessoa poder tirar do Faustão, ou do Gugu, ou da Ana Maria Braga e assistir a um programa inteligente! E, além de inteligente, bem feito, atrativo e educativo! Tem canal para vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, mas não tem para a TV Escola!
Minha luta, agora e daqui para diante, feito um dom Alonso Quixano, hajam lágrimas, haja sangue — mas não precisamos chegar a tanto —, será tornar a TV Escola um canal da televisão aberta, traze-la para dentro das casas em vez de deixa-la lá pra fora, só para quem tem antena parabólica. Ajude-me! Vale a pena, eu garanto.