Based on Fornazza
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quarta-feira, 14 de abril de 2010
Compulsório
(Óscar Fuchs)
Em um amigo secreto desses que se fazem no trabalho pedi um CD de música clássica. Dei inclusive dicas: Mozart, Telleman, Bach. Quando desenrolei meu CD era do Kenny G. Além de não ser clássico, odeio Kenny G! Emprestei o CD para todo mundo que podia, até que me livrei do maldito. Talvez alguém tenha gostado e não quis devolver, abençoada criatura. Mas o pior disso tudo é que tive que ouví-lo, porque certamente a pessoa que me "presenteara" iria querer comentá-lo.
Essa é a parte ruim: fazem questão de nos dar ou nos emprestar algo pensando que vamos gostar. Já tive que assistir inúmeros filmes, ouvir diversos discos, ler ...Meu Deus!... imagine ser obrigado a ler incontáveis livros ruins, odiáveis, desinteressantes, só porque as pessoas iriam querer comentá-los!
Você deve estar pensando: ora, basta não ler, não ouvir, não assistir. Tudo bem, mas e a educação? E a inimizade que isso pode gerar? Conheço pessoas que não se falam há anos por causa de um livro não lido, mas devolvido.
— Vovô, mas qual era o livro?
— Não lembro. Só sei que ele me devolveu sem ler dizendo que tinha lido. Aquele safado!
— E por que você queria tanto que ele lesse?
— Porque eu achava que o livro era bom, aquela porcaria.
— Hoje você não gosta mais do livro?
— Nem lembro qual era, li porque estava na moda naqueles tempos.
— E só por isso você e seu amigo não se falam há trinta anos?
— É. Aquele imbecil.
— Mas, vovô, como é que vocês passam horas a fio jogando batalha naval, todas as tardes, sem se falar?
— Por mímica.
Hoje exijo que só me emprestem um livro, um CD, um filme se eu pedir. Ou, quando tomam a iniciativa com aquela conversa de "Eu sei que você não gosta disso, mas esse é especial e ...", respondo na chincha:
— Se sabe, por que insiste?
Não tenho mais tempo e nem paciência para desperdiçar compulsoriamente. Entretanto, reconheço que já me caíram nas mãos coisas maravilhosas. Agora mesmo, por exemplo, estou lendo um livro que me foi emprestado. É sobre geologia. Assim que terminar, vou lhe emprestar. Tenho certeza que você vai adorar.
E o neto pergunta:
— Mas, vovô, por que vocês não acabam com essa bobagem e começam a conversar de novo?
— Porque ele me emprestou um livro que sabe que não vou gostar. Vou ter que ler e depois comentar.
— Não vai precisar comentar, vovô. Vocês não se falam!
— Por mímica... aquele canalha.
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