CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O nada

(Óscar Fuchs)

Tinha um professor na 4ª série — quando ainda se chamava primário! — muito simpático. Chamava-se Zezinho e era tão pequeno que tinha a altura de seus alunos. Talvez por isso a identificação entre o mestre e seus gafanhotos. Certa vez, ao fazer uma arteirice, fui pego por ele com a mão na cumbuca. Assustado, imediatamente coloquei as mãos às costas, escondendo o objeto da minha safadeza, a prova de um menino arteiro. Professor Zezinho parou a minha frente e perguntou calmamente:
— O que está escondendo aí atrás?
— Nada. — Respondi.
Professor Zezinho colocou a mão no queixo e disse pensativo, mas inquisidor:
— Como é que se esconde nada?
E pronto, não tive argumentos: Se era nada, por que eu escondia? Entreguei a ele o isqueiro que roubara de meu pai e trouxera para a escola.
Durante a aula do Professor Zezinho eu pedia um fio de cabelo às meninas. Cúmplices, sorriam arteiras, davam um puxão no próprio cabelo e me entregavam os fios. Sim, porque nunca vinha um fio só. Pegava os fios, acendia o isqueiro e os queimava discretamente, exalando aquele cheiro de cabelo queimado. Pura sacanagem!
Depois que ele me pegou e que lhe entreguei o isqueiro fiquei pensando que poderia tê-lo enfiado nos fundilhos da calça, pelas costas, e mostrado minhas mãos vazias. Seria a glória da trapaça, mas não me ocorreu na hora. Além disso, vai que o isqueiro escorregasse pela minha perna e caísse aos pés dele, surgindo da boca da minha calça. Ainda seria pego e punido pela tentativa de esperteza.
Mas o importante da lição foi que não temos necessidade de esconder um nada, quando nada for apenas isso: nada.
Georges Dumézil, um dos maiores filólogos e estudioso da mitografia, afirmava — não exatamente nessas palavras, mas simplifiquei — que a história é o mítico disfarçado. Se já o foi por toda a existência, tanto mais é nos dias de hoje. Assim criou-se o mito do Rei Arthur, de Júlio Cesar e, para alguns, até de Jesus Cristo durante milhares de anos. Todos, míticos ou históricos, hoje são tidos como verdadeiros por muitos. Exemplos bem óbvios para compreendermos Dumézil.
No mundo atual estamos cheios de exemplos em que o marketing cria mitos e os transforma em história: personalidades artísticas como atores e músicos que têm suas biografias trabalhadas e passam a ser cultuados, políticos que se moldam no mítico como estátuas e passam para a história. Fiquemos por aí, apenas para exemplificar.
Tudo isso para perguntar: se os americanos eliminaram Bin Laden, por que o jogaram nos fundilhos das calças — no mar — em vez de mostrá-lo ao mundo? Há uma corrente mundial que há anos afirma a inexistência de um Bin Laden com todos esses atributos míticos que lhe são imputados. Tudo não passaria de uma farsa, ou um faz-de-conta entre os interessados para conseguirem o que desejavam então. Outra teoria da conspiração?
Se for apenas isso, Obama teria o compromisso de acabar com a farsa, como prometeu em suas campanhas e como sempre argumenta ao dizer que seu governo é diferente. Mas, quanta responsabilidade a Obama: ter que eliminar nada! E, pior: depois do nada eliminado, Obama deve ter feito a mesma pergunta que fez meu Professor, Zezinho:
— Como é que se esconde nada?
Por outro lado, se o nada não é nada, por que esconder? Ainda levará tempo para sabermos se estamos na história ou no mítico. Só saberemos se algo escorregar dos fundilhos da calça e cair aos nossos pés, entregando esses meninos arteiros.