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segunda-feira, 25 de março de 2019

Figurinha

Óscar Fuchs

O Armando sabia perfeitamente que quando uma mulher diz uma coisa, na verdade quer dizer outra. Se uma mulher diz “Ai, tô horrível hoje!”, ele sabe que ela está dizendo “Me elogia, vai!”. Não é à toa que sempre foi o maior conquistador da turma: sabia perfeitamente o que as garotas queriam dizer e o que queriam ouvir. Ele treinou para isso a vida toda, para interpretar as mulheres. Até o dia em que conheceu a Janete.
Armando já estava naquela idade em que se definia como um “coroa apetitoso” e em que se considerava um intérprete infalível das frases femininas. Janete  tinha a mesma idade e tiveram uma conversa rápida quando se conheceram no lançamento de um livro. Depois de alguns olhares trocados, ele se aproximou sorrindo:
─ Espero que gostemos. ─ Disse, na fila de autógrafos.
Ela virou-se como se não o tivesse notado ali às suas costas, mas ele sabia que fingir surpresa é um dos artifícios femininos.
─ Vou gostar, com certeza. ─ Respondeu Janete ─ Já li os dois anteriores.
Quando ele fingiu-se impressionado e disse que ela parecia uma leitora voraz, ela explicou que estava lendo mais nos últimos tempos. Armando interpretou que ela estava sozinha e passava mais tempo em casa, lendo.
Alguns dias depois, por acaso ou não, tiveram outro encontro casual. Trocaram telefones:
─ Mas não me liga ─ pediu ela ─, manda wats . Correria de trabalho, entende?
Ele entendia, mas sabia que não era isso. Na verdade ela não queria ser pega de surpresa, queria pensar bem antes de responder a ele.
Armando mandou o watts:
─ Que tal um café... um vinho... ou qualquer... outra coisa?
Perfeito, pensou. Convidativo, bem humorado, insinuante e o mais importante: provocativo.  Da resposta poderia tirar várias conclusões, só analisando o que ela escrevesse. Mas ela não escreveu. Em vez disso, mandou uma figurinha. O desenho de uma moça com as mãos espalmadas para cima, com os ombros encolhidos e que tanto poderia significar talvez, como você que sabe ou prá quê?.
Tentou outro wats, mais objetivo, onde perguntava apenas topa? E ela respondeu com a figurinha de uma piscadela. O que significaria essa piscadela? Perguntou-se. Terceira tentativa, outra pergunta e veio outra figurinha: uma carinha de surpresa. Indecifrável, pensou.
Há três meses Armando vem tentando interpretar a Janete, mas só recebe figurinhas dúbias. Está tenso, anda inquieto, ansioso. O que fazer agora? Começar tudo de novo? Anos e anos compilando mentalmente o sentido das respostas femininas, pra nada! A essa altura da vida terei que estudar uma nova linguagem?

E enviou a ela a figurinha mais enigmática que conseguiu encontrar, um pouco por vingança, um pouco por provocação. Quem sabe agora ela manda uma resposta civilizada, pensou.

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