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segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Todos são um só

(Óscar Fuchs)





-Estive pensando, Iahvéh, acho que seus seguidores são magrinhos porque não comem carne de porco.
- Ora, Deus, não é bem assim. Veja o Buda aqui, bem gorduchinho e é vegetariano.
- Pois é. Se comendo só vegetais já sou assim, fofinho, imagina se comesse carne como os não-budistas.
- Olha o colesterol, Buda!
- Vira essa boca pra lá, Alá.
- O Alá adora quibe cru e tabule.
- Ah, me dá água na boca, Iahvéh: Quibezinho cru, um pãozinho árabe, um azeite extra virgem... mmm...
- Lembrei agora, Deus, por falar em “virgem”...
-Nem toque no assunto, Baal. Erro de tradução: “traduttore, traditore”.
- Bem sei. Estava escrito em hebraico e só os seguidores de Iahvéh, meus seguidores, entendiam o sentido real da palavra “virgem”.
- Já o Baal aí entende tudo de virgens.
- Que é isso, Buda? Acusação agora? Era só um ritual! Virgens defloradas no templo de Baal... Também não era bem assim. Pior é Deus aí, um pai desnaturado que sacrificou o próprio filho.
- Êpa lá, êpa lá! Não me julguem sem saber de toda a história. Ele é Eu mesmo, ele é Ele mesmo e ainda é o Espírto Santo. Três vidas! Ele ainda tá bem no vídeo game.
- Bobagem, ele nem existiu.
- Ô, Iahvéh, não vamos começar de novo com essa discussão se meu filho existiu ou não existiu.
- É isso aí, vamos ficar zen. Ponham-se na posição de Buda, como estou fazendo. Ai! Não consigo mais dobrar a perna, vou ter que perder uns quilinhos...
- Usa aqueles panos cor de laranja que teus seguidores usam. Pra esconder as gordurinhas aquilo é uma maravilha.
- Agora não dá mais, meu amigo Alá. Já me retrataram assim... e imagem é tudo. Já falei com os marketeiros, mas eles disseram que...
- Foi o que disseram meus assessores de marketing.
- É, os meus também.
- E os meus, idem.
- É muito marketing. Dia desses um deles confundiu hindus com budistas. Seria a mesma coisa que confundir judeus com cristãos só por causa do Velho Testamento. E os seguidores incautos, coitados... são cruéis.
- Mas, pensando bem, eles foram mais cruéis comigo.
- Acha mesmo, Deus? Por que?
- Ah, Iahvéh, eles resolveram: vamos retratar Deus! E, pronto: me pintaram com essa túnica branca. Qualquer pneuzinho na barriga parece um pneu de trator. Se ainda fosse uma cor mais pastel... pelo menos disfarçaria um pouquinho.
- Alguns de meus seguidores só usam preto... até o chapéu.
- Básico, pretinho básico! Agora, sacanagem mesmo, fizeram comigo: gordo desse jeito e me retrataram pelado, sentado e bochechudo. Não há Buda que convença com essa imagem!
- Ainda bem que não me retrataram.
- É mesmo. Por que seus seguidores não te retrataram, Alá?
- Ah, fui esperto. Eu disse a Maomé: sem retratos! Sem retratos! Sabe-se lá o que eles inventariam.
- É, eu devia ter feito isso com meus Cristãos... mas na hora, nem atinei.
- Viram o que fizeram com os Deuses do Egito? Eu estou pelado e gordo, mas pelo menos ainda sou... digamos... “normal”. Você está de túnica branca que mostra seus pneuzinhos, mas pelo menos é “normal”. Porém, aqueles pobres Deuses do Egito...
- Nem me fale. Por isso eu não quis ser retratado. Misturaram corpo de gente com cabeça de pássaro, corpo de gente com cabeça de chacal... tem um que tem cabeça de jacaré! Virgem Santa!
- Já pedi para não tocarem nesse assunto de virgem.
- Desculpe, Deus, saiu sem querer.
- O Iahvéh também não tem retrato, tem?
- É, não tenho. Mas, pagando bem... que mal tem? Desde que não seja retratado como os egípcios, sempre de perfil... Esse meu nariz adunco não me favorece.
Nesse instante alguém dá três batidinhas na porta e pergunta:
- Senhor Deus, está tudo bem aí?
- Sim, está.
- É que vos ouvi conversando e...
- Fique tranquilo. Só estava falando comigo mesmo.

¹ Se preferir, mude o nome de Deus para SEU Deus nos quatro últimos parágrafos. Dará na mesma, afinal, são todos um só.
² Sugiro a leitura do conto Os nove trilhões de nomes de Deus, de Arthur C. Clarke, escrito em 1953. (http://letras.cabaladada.org/letras/nove_trilhoes_nomes.pdf)