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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

DIMENOR, menino de rua

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Natal

(Óscar Fuchs)


Tudo aquilo que você mais temia está acontecendo: festas de fim-de-ano, correria, gastos e constrangimentos. Convém tomar algumas precauções pois, por mais que tente se esquivar da festividade, não conseguirá.

Tudo começa com os presentes. Para os adultos, deixe que sua mulher vá às lojas levar cotoveladas, pisões e empurrões na disputa por presentes. Você se encarregará das crianças. Arranje algumas caixas de papelão vazias, quanto maiores, melhor. Embrulhe com papéis vistosos, coloridos e brilhantes. Agora basta colocá-las em baixo da árvore de natal e pronto, este será seu presente para a criançada, já que todos os anos você gasta uma fortuna comprando brinquedos caríssimos e eles acabam brincando com as caixas. Terão diversão por toda a noite.
Na festa em família, como em todas as famílias, estarão aqueles primos arrogantes e aquela senhora chata de sorriso amarelo que, todos os natais, você cumprimenta efusivamente mas nunca sabe quem é. Prepare-se: você vai perguntar outra vez quem é ela. E sua mulher, outra vez, vai encará-lo como um imbecil desmemoriado e depois jogar-lhe na cara que aquela é a sogra do cunhado da prima. Você, novamente, terá que dizer aquele ãhã com um estalo de dedos, como se tivesse lembrado de uma hora pra outra.
Agora, literalmente, vem a preliminar da ceia. De forma alguma cometa o erro que cometeu nas festas anteriores: jogar bola no jardim com a meninada segurando aquele copo de uísque. Apesar de todos estarem sorrindo, no fundo, no fundo, estão pensando que você não passa de um retardado mental, pois um adulto deveria ter juízo de não estragar o jardim. Sem contar que há cinco anos foi um dedão fraturado, depois aquele corte no supercílio, no outro o dente quebrado e no ano passado aquele mau-jeito nas costas. Tudo por causa do joguinho amistoso com os guris.
Bem, você já não queria ir à festa, já está irritado com sua mulher e a fim de esganar aquela senhora que é... quem mesmo? Enfim, o que resta? Beber. A bebida é grátis, seu cunhado trouxe aquele 12 anos que você deu a ele no último natal e agora tem a chance de recuperar o prejuízo. E tem cerveja no freezer...
— ...e ainda vai ter aquele brinde com champanhe! — Você grita.
— Brinde com champanhe é no ano-novo. — Diz sua mulher, carrancuda.
E chega a hora da ceia de natal e a família toda à mesa, aos sofás, aos corredores, gente com prato e copo se acotovelando em todo lugar e indo se servir de peru frio e farofa, depois voltando e espalhando farofa por cima de todo mundo.
— Ta vendo? No natal daqui também tem neve!!! — Você diz isso e espalha farofa por toda sala, às gargalhadas, cada vez que fala neve.
Daqui para diante as coisas só vão piorar. Lembre-se de não fazer aquela piadinha de duplo sentido com o peru. Por duas razões: primeiro, que ninguém mais suporta aquela piadinha idiota. Segundo: o que está naquela travessa de pernas para o ar é um chester, como se encarregará de lembrá-lo a sobrinha metida que todos os anos estraga sua velha piadinha nova.
Você percebe que terá que sentar no chão para comer, segurando o prato numa mão, os talheres na outra, o que vai obrigá-lo a largar o copo. Ante a iminência de abrir mão do copo, você abre mão de comer. Até porque você não tem certeza de que conseguiria levantar-se do chão depois que terminasse. E vai se servir de outra dose do uísque doze anos que algum engraçadinho transferiu para uma garrafa plástica e colou um rótulo escrito vinagre. Aquele seu cunhado mesquinho, provavelmente.
Uma linda união familiar, todos já cearam, já abriram os presentes, as crianças estão aos prantos por que só ganharam caixas vazias, momento exato para uma discussão com o cunhado que tentou disfarçar o uísque e ainda quer convencer seus filhos a torcerem para o Botafogo. Você começa fazendo piada com o time dele, apela para o palavrão, passa pra ofensa pessoal e termina com Me segura! Me segura! Nem era seu plano, mas você conseguiu acabar com a festa que de um momento para outro ficou divertidíssima, apesar daquele uísque com gosto de vinho azedo.
Hora de ir embora. Agora virá a suprema humilhação. Todos na frente da casa assistindo sua discussão com a mulher. Ela exigindo a chave do carro, insistindo que você está bêbado. Você mostra que está ótimo enquanto aquele poste idiota dá um passo para o lado toda vez você tenta se escorar nele. Por fim, você entrega a chave do carro só para contentá-la e sorri para os vultos dos familiares que estão se balançando na frente da casa.
Prepare-se, ainda não acabou. No carro, voltando para casa, sua mulher dirigindo, comentando sobre isso e aquilo, como a Cenira está bem, né? E o Thiago, como cresceu! Viu o nariz da Beatriz? Aquilo é plástica! E, para mostrar que não está bêbado e fazer de conta que está interessado nos comentários, você faz a pergunta fatal:
— Tá, mas e aquela senhora chata de sorriso amarelo, quem era?