CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

quarta-feira, 31 de março de 2010

DIMENOR - menino de rua



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Reserva de Mesa

(Óscar Fuchs)


Os que almoçam em restaurantes buffet sabem do que falo. A pessoa chega ao restaurante lotado e tenta marcar, tenta reservar uma mesa enquanto se serve no buffet. Algumas mulheres deixam sobre a mesa a bolsa, o que é uma temeridade, pois além de perder a reserva, podem perder também a bolsa. Outros deixam o telefone celular e em seguida aparece o carregador... e carrega o celular para bem longe. Outros deixam a carteira e outros ainda deixam um bilhete enfático: “Tira o olho que essa mesa é minha, pô!”.
Há aqueles que ficam de pescoço espichado e olho arregalado, com o prato na mão, se servindo de não-sabe-o-que, pois nem está prestando atenção no buffet, apenas naquela mesa livre. Há, também, o tipo “torcedor”: ele está à sua frente, dando a volta no buffet, mas com os olhos no salão de mesas como se fosse um campo de futebol, murmurando entre-dentes:
— Beleza, desocupou uma lá... Não senta! Não senta! Sentou. Outra mesa... sai rápido, sai rápido... só vou pegar a batatinha frita e já to aí... Não senta aí! Saí fora! Putz, perdi.
Nenhuma dessas modalidades, no entanto, funciona. Só há um jeito de reservar mesa sem correr nenhum risco. E eu descobri. Deixo um livro sobre a mesa. Sempre levo um livro para ler na minha hora de almoço e já fiz a experiência em mesas para até seis pessoas, com apenas um livro. Não ocuparam nenhuma das seis cadeiras! Em alguns restaurantes, inclusive, não ocuparam sequer as mesas em volta daquela que estava, digamos, reservada pelo livro.
Por quê? Por que não colocam o livro sobre uma cadeira? Ou ainda, por que não roubam o livro? Por quê? Ora, porque o livro provoca medo, repulsa, até nojo. O livro afasta a massa ignara, os idiotas, os pseudo-espertos. O livro assusta os imbecis, os analfabetos funcionais, para quem ler algo mais que revista de fofocas ou notícias do futebol é uma tortura e um desperdício de tempo. E são maioria.
É impressionante como no Brasil o vulgar tornou-se cultura. Por isso sempre saio para o almoço com meu livro debaixo do braço: além da boa leitura, uma reserva de mesa. Afinal, num país com tamanha mediocridade, quem roubaria logo um livro!? Não teria a menor utilidade.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Dimenor e Geraldão


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Filosofando

(Óscar Fuchs)

Jesus Cristo voltou à terra para dizer “Viu? Eu avisei! Chegou a hora do fim-do-mundo.” Numa praça de uma grande cidade, sobre um banco, filosofava para quem passava:
— O que se tornou o homem, senão seu próprio inimigo? Em verdade, em verdade, vos digo: já foram salvos uma vez, mas eis que o homem não tem ouvidos para ouvir, nem tem olhos para ver. A meu pedido o pai vos deu o perdão, mas...
As pessoas começaram a se aglomerar em frente ao banco de praça para ouvi-lo. Durante sua pregação alguém lhe puxou as vestes.  Ele olhou para baixo e um senhor com cara de poucos amigos o interpelou:
— Cadê a carteirinha?
— Carteirinha? — Perguntou Cristo.
— É, a carteirinha da OFB! Vai me dizer que não tem?
— OFB?
— Ordem dos Filósofos do Brasil, meu rapaz. Pensa que pode sair filosofando por aí, assim, sem mais nem menos?
— Ao homem cabe saber que em seu trono de ouro o pai...
— Quieto! Quieto! Mais uma filosofada e te denuncio.
— Nada temas, mas crê no que digo... — Tentou Cristo.
— Não vai dizer mais nada! Quem pensa que é?
— Eu sou aquele que distribuiu o pão entre...
— Padeiro!? E o que um padeiro entende de filosofia?
— O senhor de todo o universo me enviou para...
— Não interessa quem te mandou. A gente passa anos na faculdade, estudando, e aí aparece um leigo pensando que pode formular teorias e pensamentos impunemente. Não mesmo!
— As palavras de meu pai são minhas palavras.
— Não enrola. Cadê a carteirinha!
— A César o que é de César... — Disse Cristo.
— Não enrola, César!!!! Cadê a carteirinha?
— Venho em paz.
— Ahá!!! Agora sentiu o tranco, né? Não adianta se esquivar, vou chamar a polícia. — O fiscal gritou para um policial que estava passando. — Ô, policial! Quero fazer uma queixa contra esse tal de César aqui.
O fiscal da OFB formalizou a denúncia e Cristo foi levado.
— E agora, o que me diz? — Perguntou o fiscal com sarcasmo enquanto Cristo era conduzido algemado.
— Pilatos lavou as mãos. — Respondeu Cristo — Já preguei contra a intolerância e fui...
— Tá vendo? Tá vendo? Ele tá confessando que já fez isso antes. Reincidente! Reincidente!— Apontou o fiscal da OFB para o policial.
— Não entenderias, não conheces todos os mistérios do Pai.
— Ah, é? E quem é seu pai, esse desmiolado que deixa você sair por aí falando o que vier a cabeça?
— Sou filho de Deus... assim como todos nós..
— Sem tangências! Sem tangências! Sabe o que é tangência? Não interessa... quero saber quem é o irresponsável que deixa um filho assim, visivelmente perturbado, usando uns trapos enrolados no corpo, com barba e cabelo enormes sair por aí pensando que é um Confúcio, um Tomás de Aquino, um Santo Agostinho, um Nietsche!
Patre Putativo? Nasci de Maria e José. Ele era carpinteiro e...
— Carpinteiro? Pois meu pai é funcionário da Assembléia Legislativa e ainda assim foi difícil pagar a faculdade de filosofia! Vai me convencer que um carpinteiro poderia pagar uma faculdade?
— Minha mãe, Maria, a Virgem...
— Ah! Essa não! Virgem? Nos dias de hoje? Conta outra, charlatão!
Apesar de todos os argumentos e evidências, ante a ignorância e desinformação geral, Cristo foi levado. Espera um advogado da defensoria pública para obter um habeas corpus ou um julgamento justo. Enfim, graças ao bom senso e à fidelidade corporativa de nosso atuante colega, o fim-do-mundo foi adiado.

quarta-feira, 17 de março de 2010

DIMENOR - menino de rua



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Dialeto

(Óscar Fuchs)

O amigo dos Estados Unidos fez um curso rápido e superficial, Português para Viagem, antes de vir ao Brasil. Aqui ele andava sempre com um daqueles mini dicionários embaixo do braço. O casal brasileiro, com dois filhos adolescentes, recebeu o estrangeiro e o hospedou. A cada frase ou palavra nova, lá ia Robert folhear o dicionário Português/Inglês, ávido por descobrir que misteriosa consideração estava sendo feita. O pai e o amigo americano conversavam na sala quando Vitória, filha do casal, entrou dizendo que sairia à noite:
— Vamos a um barzinho. — Disse Vitória.
— Como é que você vai? — Perguntou o pai à filha.
— Vou com uma galera. — Respondeu ela.
Robert folheou o dicionário e leu o verbete com seu forte sotaque:
— “Galera: embarcação de guerra, movida a vela ou remos, usada até o século XVIII”.
Depois do entusiasmo pela descoberta, ficou intrigado:
— Vocês ainda usar isso aqui no Brasil? — Perguntou visivelmente confuso.
Todos riram. O pai tentou explicar:
— “Galera” é “uma turma”.
— Uma Thurman! A atriz, essa eu conhecer! Ela estar in Brazil?
— Não, não. Turma, galera.
Turma...turma...turma... — Repetia Robert, procurando em seu dicionário.
— É assim, — tentou explicar Vitória, mastigando chiclete — a gente chama os brody e as gatas, ta ligado?
Robert pegou seu telefone celular e verificou:
— Ligado. Sim, meu telephone estar ligado.
— Pois é. Aí a gente sai pra balada.
balada... balada... balada... — Repetia, folheando o dicionário.
Os amigos riram, se divertindo. Ele arregalou os olhos assustado:
Oh, shit! — Exclamou apavorado. — Vocês dar tiros uns nos outros!?
Gargalhada geral. Dudu, irmão de Vitória, entrou na sala já com a mão estendida:
— Pai, solta uma grana aí.
Grana... grana... grana... — Murmurou Robert.
Money, dólar, cash. — Respondeu Dudu, esfregando o polegar e o indicador.
— Oh, money! Isso eu ter. — Abriu a carteira e deu cinqüenta dólares a cada um dos irmãos.
— Caraca! — Exclamou a filha, examinando a nota.
— Devolvam. — Ordenou o pai.
— O quê? — Perguntaram os dois.
— Devolvam. — Repetiu.
— Pô, pai! Eu ia arrasar! — Disse a filha.
Arrasar... arrasar... arrasar... — Robert encontrou a tradução no dicionário. — Demolir, destruir. Então vocês dar tiros nos outros e depois destruir tudo?
— Devolvam já!
— Que empatação, pai. — Resmungou o filho, estendendo os cinqüenta dólares.
Empatação... — Meditou Robert guardando as notas.
— Tomem, vinte para cada. — Disse o pai dando o dinheiro para os dois.
— Vinte paus? Só isso? — Reclamaram os filhos.
Quando Robert ia folhear o dicionário, o pai se adiantou:
Paus é a moeda. — Explicou.
— A moeda não ser mais o real? — Perguntou o americano boquiaberto.
— Real é a sua, a nossa é imaginária. — Disse o filho irônico.
— Vocês já mudar de moeda de novo? Afinal, agora ser o paus ou o imaginária?
— Esqueça. — Recomendou o pai ao amigo.
Os filhos se despediram do pai e saíram. O americano teclava no celular:
— Eu estar telefonando para meu professor de português nas Estados Unidos. — Disse irritado.
Enquanto o telefone chamava, explicou:
— Aquele bastard me dizer que in Brasil vocês falar português e que não tinha dialetos.
O anfitrião sorriu e tentou acalmá-lo:
— Deixe isso prá lá. Você vai se acostumar.
— Não, não. Never!
— O que ele pode fazer? Nada! — Tentou o brasileiro.
— Ah, pode sim. Vai ter que devolver meus imaginárias!
Uma leve pausa e ele completou:
— ... ou meus paus.

sexta-feira, 12 de março de 2010

GLAUCO

Ele, que deu a vida a tantos nos seus personagens, foi assassinado ontem.







quarta-feira, 10 de março de 2010

DIMENOR - menino de rua



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Futebol não é para brasileiro

(Óscar Fuchs)


Descobri por que, no país do futebol, aumentam tanto os adeptos, praticantes e assistentes de outros esportes. No tênis, são milhares de novos atletas e torcedores. Nas ruas quase todos sabem o que significam termos como “set, match point, slice, brake point”, etc. No hipismo, já há torcedores ferrenhos e entusiasmados que nunca sequer montaram um cavalo. Na Formula 1 todos estão atentos aos pilotos brasileiros e sabem de suas possibilidades. E o golfe? Jovens de periferia estão adaptando ou consertando tacos velhos e jogando golfe!
A razão é simples: são esportes mais baratos. Sim, custam menos!O dinheiro aplicado numa ida ao futebol fará falta no supermercado. O ingresso custa cerca de R$ 30,00. Se beber um refrigerante em lata, que dentro do estádio custa em torno de R$ 3,00 e comer um saquinho de amendoim ou pipoca, por R$ 2,00, pelo menos, somando o gasto com a condução de ida e volta, a aplicação já ultrapassa R$ 40,00. Aqui em baixo do meu apartamento, no restaurante do Vandi, isso daria 6 almoços bem feitos e bem servidos.
Tempo é dinheiro e ainda nem mencionei que a maioria dos jogos de meio-de-semana começam às 21h:45min, sempre após a novelinha. Assim, o trabalhador candidato a torcedor sai do trabalho às 18 ou 19 horas e só irá descansar em casa após uma hora da madrugada. Ou seja: gastou 6 horas de sua vida e mais um bom dinheiro para ver uma partida de futebol em que foi maltratado pelos banheiros, vendedores, ônibus, outros torcedores delinqüentes e, dependendo do time para o qual torce, até pelo técnico e pelos jogadores. E olha que nem citei essas arbitragens que andam por aí.
Afora passar por essa cruzada medieval, a única alternativa seria ver seu time na TV. Seria, porque, a menos que torça por Flamengo ou Corinthians, talvez nunca possa assistir a um jogo de seu clube na telinha. Então, nós outros, somos obrigados a assistir Flamengo contra Bahia, estando em Porto Alegre, Curitiba ou Belo Horizonte. Ou assistirmos Corinthians contra Payssandu no Rio de Janeiro, em Salvador e em Florianópolis. A maior torcida acaba sendo para que dê o acaso de nosso time jogar contra Flamengo ou Corinthians, com transmissão pela TV aberta.
Restam os esfoliantes “Pay per View”. Para assinar um pacote do brasileirão, além de já ter que pagar pelo serviço de cabo ou satélite, ainda terá que desembolsar algo como R$ 300,00, ou 10 módicas parcelas mensais de R$ 30,00, pouco mais ou pouco menos que isso.
Conclusão: futebol não é para brasileiro! É muito caro! Por isso assistimos esportes como golfe, tênis, hipismo e Fórmula 1, esses sim esportes mais acessíveis a povos menos favorecidos e com menor poder aquisitivo.
Até a FIA (Federação Internacional de Automobilismo) voltou atrás na decisão de só transmitir as corridas em canal fechado, pois percebeu que iria perder popularidade e, por extensão, patrocinadores e anunciantes. Mas, já que a televisão não quer mais que troquemos a novelinha pelo futebol, já que os dirigentes de clubes de futebol não querem mais torcedores nos estádios comprando camisetas, flâmulas e bandeiras ou, que seja, amendoim e pipoca, só nos resta voltar aos campos de várzea... até o dia em que a TV resolva transmitir esses jogos também.

terça-feira, 2 de março de 2010

DIMENOR - menino de rua



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M.A.

(Óscar Fuchs)

Existem AA – Alcoólicos Anônimos, NA – Narcóticos Anônimos, até ME – Maridos Explorados. Alcoolistas entram no AA porque sabem que estão se matando aos poucos, narcóticos entram no NA porque sabem que estão se matando aos muitos e maridos entram no ME porque sabem que estão se matando pelas ex-esposas. Ora, quem está se matando mais do que os motoqueiros?
Dia desses, assim, en passant, entreouvi um motoqueiro dizer timidamente a outro:
— Cara, eu não passo sinal fechado.
O outro olhou para a cara dele — ou para a cara que estava atrás daquele capacete — e deu uma gargalhada. O motoqueiro que não passava sinal fechado saiu cabisbaixo, visivelmente sentido. Diria até que ele estava chorando, se eu pudesse ver através do capacete.
Fiquei pensando: Por que a vergonha? Se um deles agir corretamente vai servir de piada para os outros? Vai ser excluído? Vai ser humilhado? Então me veio a idéia: criar o M.A. – Motoqueiros Anônimos!
No MA os motoqueiros que não cometem loucuras no trânsito poderiam se reunir duas vezes por semana, se expressar livremente, contar suas experiências e suas angústias sem constrangimento.
— Companheiros, hoje não transitei nem uma vez entre as filas de automóveis parados no sinal! — Diria entusiasmado o... é anônimo, não posso dizer seu nome.
Aliás, no MA, como todos são anônimos, participam das reuniões de capacete para que se algum motoqueiro encontre outro na rua não possam se identificar.
Não há nenhum preconceito quanto aos participantes. Podem ter motos Harley Davidson de última geração, ou pequenas 125 cilindradas. As cores dos capacetes podem ser das mais diversas, se alguém usar cor-de-rosa, por exemplo, é opção dela... ou dele.
Apenas um MA consegue identificar outro companheiro do Motoqueiros Anônimos. Eles não têm aquela descarga aberta que deixa todos os outros transeuntes loucos com o barulho. Isso é terminantemente proibido para um MA.
O MA recusa qualquer contribuição tais como gorjetas, “fica com o troco” ou “pro cafezinho”. É uma organização auto- suficiente.
Ao ingressar num grupo de MA o iniciante deverá estar aberto a conselhos e sugestões dos membros mais antigos como “não estacionar entre dois carros, impedindo que qualquer dos veículos consiga sair” ou como “não andar sobre a calçada atropelando pedestres”.
Na rua, todo membro deverá divulgar o MA anonimamente, ou seja, sem tirar o capacete. O principal lema do MA é: não vou cometer loucuras no trânsito só por hoje.
Todo membro do MA poderá dar seus depoimentos nas reuniões, seja para expressar suas frustrações ou sua felicidade por mais um dia sem infrações ou abusos:
— Meus “Brody”, hoje eu fiquei mais um dia sem fazer ultrapassagem pela direita! — E todos aplaudem.
Claro, às vezes acontecem recaídas:
— Manos, estou muito triste, arrependido... e peço desculpas a todos que sempre me apoiaram: quebrei o espelhinho de um carro.
Dentro de alguns anos o MA se alastraria e teria diversos núcleos espalhados pelo país e pelas cidades. Todos os dias haveriam reuniões que durariam cerca de uma hora e meia. Ou seja, uma hora e meia por dia quase sem motoqueiros nas ruas. Quantos acidentes a menos?