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quarta-feira, 24 de março de 2010

Filosofando

(Óscar Fuchs)

Jesus Cristo voltou à terra para dizer “Viu? Eu avisei! Chegou a hora do fim-do-mundo.” Numa praça de uma grande cidade, sobre um banco, filosofava para quem passava:
— O que se tornou o homem, senão seu próprio inimigo? Em verdade, em verdade, vos digo: já foram salvos uma vez, mas eis que o homem não tem ouvidos para ouvir, nem tem olhos para ver. A meu pedido o pai vos deu o perdão, mas...
As pessoas começaram a se aglomerar em frente ao banco de praça para ouvi-lo. Durante sua pregação alguém lhe puxou as vestes.  Ele olhou para baixo e um senhor com cara de poucos amigos o interpelou:
— Cadê a carteirinha?
— Carteirinha? — Perguntou Cristo.
— É, a carteirinha da OFB! Vai me dizer que não tem?
— OFB?
— Ordem dos Filósofos do Brasil, meu rapaz. Pensa que pode sair filosofando por aí, assim, sem mais nem menos?
— Ao homem cabe saber que em seu trono de ouro o pai...
— Quieto! Quieto! Mais uma filosofada e te denuncio.
— Nada temas, mas crê no que digo... — Tentou Cristo.
— Não vai dizer mais nada! Quem pensa que é?
— Eu sou aquele que distribuiu o pão entre...
— Padeiro!? E o que um padeiro entende de filosofia?
— O senhor de todo o universo me enviou para...
— Não interessa quem te mandou. A gente passa anos na faculdade, estudando, e aí aparece um leigo pensando que pode formular teorias e pensamentos impunemente. Não mesmo!
— As palavras de meu pai são minhas palavras.
— Não enrola. Cadê a carteirinha!
— A César o que é de César... — Disse Cristo.
— Não enrola, César!!!! Cadê a carteirinha?
— Venho em paz.
— Ahá!!! Agora sentiu o tranco, né? Não adianta se esquivar, vou chamar a polícia. — O fiscal gritou para um policial que estava passando. — Ô, policial! Quero fazer uma queixa contra esse tal de César aqui.
O fiscal da OFB formalizou a denúncia e Cristo foi levado.
— E agora, o que me diz? — Perguntou o fiscal com sarcasmo enquanto Cristo era conduzido algemado.
— Pilatos lavou as mãos. — Respondeu Cristo — Já preguei contra a intolerância e fui...
— Tá vendo? Tá vendo? Ele tá confessando que já fez isso antes. Reincidente! Reincidente!— Apontou o fiscal da OFB para o policial.
— Não entenderias, não conheces todos os mistérios do Pai.
— Ah, é? E quem é seu pai, esse desmiolado que deixa você sair por aí falando o que vier a cabeça?
— Sou filho de Deus... assim como todos nós..
— Sem tangências! Sem tangências! Sabe o que é tangência? Não interessa... quero saber quem é o irresponsável que deixa um filho assim, visivelmente perturbado, usando uns trapos enrolados no corpo, com barba e cabelo enormes sair por aí pensando que é um Confúcio, um Tomás de Aquino, um Santo Agostinho, um Nietsche!
Patre Putativo? Nasci de Maria e José. Ele era carpinteiro e...
— Carpinteiro? Pois meu pai é funcionário da Assembléia Legislativa e ainda assim foi difícil pagar a faculdade de filosofia! Vai me convencer que um carpinteiro poderia pagar uma faculdade?
— Minha mãe, Maria, a Virgem...
— Ah! Essa não! Virgem? Nos dias de hoje? Conta outra, charlatão!
Apesar de todos os argumentos e evidências, ante a ignorância e desinformação geral, Cristo foi levado. Espera um advogado da defensoria pública para obter um habeas corpus ou um julgamento justo. Enfim, graças ao bom senso e à fidelidade corporativa de nosso atuante colega, o fim-do-mundo foi adiado.

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