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segunda-feira, 1 de abril de 2019

Aos dubladores

 A gente sabe que dublagem não é fácil. Ter que combinar os movimentos da boca e todos os outros gestos a uma fala estrangeira requer muita competência. Por isso, talvez, algumas dublagens deixam a desejar.
        Dia desses vi um filme em que o personagem chegava correndo a uma estação do metrô. Ele apontava para o túnel de onde saiam os trilhos e gritava para seu colega:
        ─ Tem um trem! Tem um trem!
        A cena ficou ridícula. O que o personagem esperava que viesse daquele túnel com aqueles trilhos de trem, um camelo?
        No original, a fala seria Take the train! Take the Train! (Pegue o trem! Pegue o trem!), mas o dublador tinha que adequar a fala ao movimento. Ou o roteirista da dublagem não tinha imaginação. De qualquer forma, a estória não era tão boa.
        Há, porém, falhas de dublagem recorrentes e que machucam os ouvidos quase todos os dias. A que optei por denunciar é a da maldita “serra elétrica”. Penso que, na verdade, o erro nem começou com os dubladores e sim com os tituladores de filmes.
        Em “O Massacre da Serra Elétrica” ─ que tanto pode ser classificado como um  filme de terror, ou como um  terror de filme ─ o erro já começa na tradução do título. Pra você que perdeu duas horas de sua vida assistindo a esse filme, pergunto: viu algum fio elétrico saindo da serra? Não, né? E, se houvesse esse fio, como o vilão perseguiria aquele bando de idiotas sem se enrolar? Eu me enrolo todo no fio do aspirador de pó, que só tem três metros!
        Imagina o terrível assassino da serra chegar ao local do massacre e sair andando de lado, ao longo das paredes, com o fio da serra elétrica na mão e procurando:
        ─ Cento e dez... cento e dez... cento e dez... Cadê a tomada duzentos e vinte, pô!
        Ou se, no momento do massacre, a serra só emitisse um puf...puf...puf  e de repente ele percebesse que tinha ligado na tomada errada?
Imagino, então, que os dubladores tenham embarcado na mesma onda dos tituladores, para quem qualquer serra é uma serra elétrica. Desembarquem, dubladores.
        Assisto documentários de desbravadores, daqueles que vivem em lugares remotos, onde é indispensável uma serra. Porém, todas as vezes que dublam ou narram o uso de uma serra, dizem que a serra é elétrica. Não é!
        O lugar é remoto, portanto, não há energia elétrica por perto. A eletricidade mais próxima, se houver, está há dez quilômetros de distância e vem de um gerador. O desbravador está lá no círculo polar ártico, no meio da neve, dentro de uma floresta que tem a extensão de quase todo o Alasca e, quando vai derrubar uma árvore, o dublador coloca em sua boca:
        ─ Preciso ir até meu trenó pegar a serra elétrica.
        E eu pergunto: vai ligar em qual tomada!?
        Naqueles programas em que constroem cabanas no meio do nada acontece o mesmo. De repente alguém grita lá do telhado:
        ─ Ei, Scot! Me alcance a serra elétrica!
        Quantos quilômetros de fio seria preciso para chegar a essa serra elétrica?
        Dubladores, a título de contribuição, explico: o que usam nesses lugares não são serras elétricas, mas motosserras. A motosserra é uma serra com motor a combustão, que funciona com gasolina, como um motor de motocicleta ou de barco. É específica para lugares remotos e isolados, pois só é preciso levar um ou dois galões de combustível para fazê-la trabalhar.
        Até entendo a explicação de que a palavra motosserra não se encaixa nos movimentos labiais do personagem, só que serra elétrica não se encaixa nem nos movimentos labiais, nem na lógica.
      Portanto, lanço uma campanha. Deve haver uma dezena de palavras e expressões que combinem com os movimentos labiais dos personagens e que deem o sentido de motosserra. Quem souber, descobrir ou inventar uma dessas, por favor, contribua: envie para os dubladores!
        Se não corrigirem isso logo, poderá haver um massacre de motosserra. E esse, não ficção.