CHEGOU!!! CRÔNICAS & RABISCOS, em março, grande lançamento! Crônicas de humor, edição ilustrada

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ano Novo

(Óscar Fuchs)             


             Réveillon, mais prevenção. Você emendou natal e ano novo e continua bêbado, portanto, prepare-se para o ridículo. Mal começa a festa e, como num passe de mágica, surge um copo em sua mão. Ante o olhar de reprovação de sua mulher você tenta largá-lo em algum lugar mas não consegue, ele já se acoplou à sua mão, como se fosse parte do seu corpo, uma extensão do seu braço. Tanto é assim que, quando você e seu primo trocam os copos, chamam de transplante de órgãos. O copo, assim como seu fígado ou seu coração, necessita de constante abastecimento e vocês chamam a isso de transfusão. Atravessam a casa imitando uma ambulância com a sirene ligada cada vez que vão ao barzinho para uma transfusão. Todos se irritam, menos o vovô que em meio aquele batalhão de gente vestindo branco, puxa a blusa daquela sua prima sexy:

              — Enfermeira, preciso fazer xixi. Me ajuda? — E dá um sorrisinho safado.

              Se você passa o réveillon na praia, compre dois retângulos de espuma do tamanho de seu tórax. Com fita adesiva, faça um colete e vista-o por baixo da camisa. Por quê? Porque você chegou à praia no dia anterior, ansioso para ir ao mar, pegou um solaço e suas costas estão como uma manga-rosa. Pense quantas pessoas vão abraçá-lo e lhe dar tapinhas ardentes nas costas ao lhe desejarem Feliz Ano Nov. Sem contar que o colete servirá de amortecedor naquele inevitável tombo depois das vinte e oito transfusões.

              Você já está balançando mais que antena de rádio amador. Daqui por diante, a cada balão que estourar, a cada travessa que cair, você vai dar um pulo aos gritos:

              — Feliz ano novo!!!!!

              — Que ano novo? Ainda faltam duas horas!!! — Exclama sua mulher.

              — Duas horas? Então, uuuóóóóóóóóóóóóóó!!! — E você sai correndo pelo corredor da casa para outra transfusão, imitando ambulância.

              — Movimentada a U.T.I. hoje, não? — Comenta o vovô, pensando que você é o médico.

              Comes e bebes. Nos “bebes” você já se afogou há tempo. Agora vêm os “comes”. Você reclama que o punhadinho de lentilhas que lhe deram estava duro e que deveria ser mais cozido. Saiba: Aquele punhadinho de lentilhas não é para jogar na boca como pipoca e mastigar, mas sim para colocar no bolso e levar durante todo o ano, para dar sorte. Só quando lhe dizem isso você compreende aqueles grãos que germinaram no bolso da sua calça branca. Estavam lá desde o ano passado.

              As duas primas gostosas chegam com uma bandeja e perguntam:

              — Alguém quer comer noz?
             
              Você e seu primo se atiram sobre elas, agarram as duas e tentam tirar-lhes as roupas. A família escandalizada, sua mulher chorando e a tia compreensiva tentando explicar a vocês que se trata de noz, com “z”. Mas, antes que ela consiga, um balão estoura  e vocês dois dão um pulo aos gritos:

              — Feliz ano novo! Feliz ano novo! — E se abraçam comovidos.
‘             
              — Ainda falta uma hora e meia!!! — Gritam todos, saturados das suas estripulias.
             
        — Ainda? — Perguntam vocês. — Uuuuuóóóóóóóóóóóóó!!! — E correm para outra transfusão.

              Porém, vocês já terminaram com a bebida. A última coisa bebível que ainda havia era a mamadeira com chazinho do afilhado. Você roubou do pobrezinho e serviu on the rocks. Agora está arquitetando um plano para esvaziar o aquário que o maiorzinho ganhou de natal. Seu cunhado argumenta que aquela coisinha vermelha nadando lá dentro é meio indigesta.
             
              Uma das tias, santa ingenuidade, tentando dissipar o mal-estar pergunta se todos estão usando roupa de baixo nova. Você e seu primo fazem um streap tease para mostrar as cuecas que ganharam. Ao vestir-se para a festa, porém, você pegou qualquer cueca, justamente a que está com um furo na bunda. Em vez de ficar vermelho e sem jeito, você dá uma gargalhada. Sua mulher corre para o quarto da irmã aos prantos. O vovô puxa alguém e pergunta:

              — Morreu o paciente aí do lado?
             
          Para evitar maiores constrangimentos, resolvem antecipar a ceia da meia-noite e alguém diz que já podem trazer o porco. Você pega aquele sobrinho que estava brincando no quintal, todo sujo, e o coloca de quatro sobre a mesa com uma maçã na boca. Só você, seu primo e o menino porco acham graça.

       Com tanta humilhação, sua mulher o empurra para um quarto. Você vai cambaleante tentando beijá-la:

              — Mas agora, benzinho!? Assim, no meio da festa? Ah, já sei, você quer entrar o Ano Novo com prazer, com muito prazer...

              Enfim, chega a meia-noite. Você acorda com o espocar dos fogos de artifício e os gritos de “Feliz Ano Novo”. Está deitado, só de cueca, ao lado de um ursinho de pelúcia todo babado. Você se levanta e, ao chegar à sala, vê todos aos abraços e beijos, rindo, gritando e se felicitando. Com passos firmes e resolutos, vai até eles aos berros:

— Vão embora! Saiam! Vão todos embora! Eu quero dormir! Vocês me acordaram! Eu tenho que trabalhar amanhã cedo, pô! — E expulsa todos empurrando as pessoas porta afora em meio a palavrões e ofensas.— Saiam já da minha casa!

Então alguém lhe diz que aquela é a casa do seu cunhado, não a sua.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

DIMENOR, menino de rua

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Natal

(Óscar Fuchs)


Tudo aquilo que você mais temia está acontecendo: festas de fim-de-ano, correria, gastos e constrangimentos. Convém tomar algumas precauções pois, por mais que tente se esquivar da festividade, não conseguirá.

Tudo começa com os presentes. Para os adultos, deixe que sua mulher vá às lojas levar cotoveladas, pisões e empurrões na disputa por presentes. Você se encarregará das crianças. Arranje algumas caixas de papelão vazias, quanto maiores, melhor. Embrulhe com papéis vistosos, coloridos e brilhantes. Agora basta colocá-las em baixo da árvore de natal e pronto, este será seu presente para a criançada, já que todos os anos você gasta uma fortuna comprando brinquedos caríssimos e eles acabam brincando com as caixas. Terão diversão por toda a noite.
Na festa em família, como em todas as famílias, estarão aqueles primos arrogantes e aquela senhora chata de sorriso amarelo que, todos os natais, você cumprimenta efusivamente mas nunca sabe quem é. Prepare-se: você vai perguntar outra vez quem é ela. E sua mulher, outra vez, vai encará-lo como um imbecil desmemoriado e depois jogar-lhe na cara que aquela é a sogra do cunhado da prima. Você, novamente, terá que dizer aquele ãhã com um estalo de dedos, como se tivesse lembrado de uma hora pra outra.
Agora, literalmente, vem a preliminar da ceia. De forma alguma cometa o erro que cometeu nas festas anteriores: jogar bola no jardim com a meninada segurando aquele copo de uísque. Apesar de todos estarem sorrindo, no fundo, no fundo, estão pensando que você não passa de um retardado mental, pois um adulto deveria ter juízo de não estragar o jardim. Sem contar que há cinco anos foi um dedão fraturado, depois aquele corte no supercílio, no outro o dente quebrado e no ano passado aquele mau-jeito nas costas. Tudo por causa do joguinho amistoso com os guris.
Bem, você já não queria ir à festa, já está irritado com sua mulher e a fim de esganar aquela senhora que é... quem mesmo? Enfim, o que resta? Beber. A bebida é grátis, seu cunhado trouxe aquele 12 anos que você deu a ele no último natal e agora tem a chance de recuperar o prejuízo. E tem cerveja no freezer...
— ...e ainda vai ter aquele brinde com champanhe! — Você grita.
— Brinde com champanhe é no ano-novo. — Diz sua mulher, carrancuda.
E chega a hora da ceia de natal e a família toda à mesa, aos sofás, aos corredores, gente com prato e copo se acotovelando em todo lugar e indo se servir de peru frio e farofa, depois voltando e espalhando farofa por cima de todo mundo.
— Ta vendo? No natal daqui também tem neve!!! — Você diz isso e espalha farofa por toda sala, às gargalhadas, cada vez que fala neve.
Daqui para diante as coisas só vão piorar. Lembre-se de não fazer aquela piadinha de duplo sentido com o peru. Por duas razões: primeiro, que ninguém mais suporta aquela piadinha idiota. Segundo: o que está naquela travessa de pernas para o ar é um chester, como se encarregará de lembrá-lo a sobrinha metida que todos os anos estraga sua velha piadinha nova.
Você percebe que terá que sentar no chão para comer, segurando o prato numa mão, os talheres na outra, o que vai obrigá-lo a largar o copo. Ante a iminência de abrir mão do copo, você abre mão de comer. Até porque você não tem certeza de que conseguiria levantar-se do chão depois que terminasse. E vai se servir de outra dose do uísque doze anos que algum engraçadinho transferiu para uma garrafa plástica e colou um rótulo escrito vinagre. Aquele seu cunhado mesquinho, provavelmente.
Uma linda união familiar, todos já cearam, já abriram os presentes, as crianças estão aos prantos por que só ganharam caixas vazias, momento exato para uma discussão com o cunhado que tentou disfarçar o uísque e ainda quer convencer seus filhos a torcerem para o Botafogo. Você começa fazendo piada com o time dele, apela para o palavrão, passa pra ofensa pessoal e termina com Me segura! Me segura! Nem era seu plano, mas você conseguiu acabar com a festa que de um momento para outro ficou divertidíssima, apesar daquele uísque com gosto de vinho azedo.
Hora de ir embora. Agora virá a suprema humilhação. Todos na frente da casa assistindo sua discussão com a mulher. Ela exigindo a chave do carro, insistindo que você está bêbado. Você mostra que está ótimo enquanto aquele poste idiota dá um passo para o lado toda vez você tenta se escorar nele. Por fim, você entrega a chave do carro só para contentá-la e sorri para os vultos dos familiares que estão se balançando na frente da casa.
Prepare-se, ainda não acabou. No carro, voltando para casa, sua mulher dirigindo, comentando sobre isso e aquilo, como a Cenira está bem, né? E o Thiago, como cresceu! Viu o nariz da Beatriz? Aquilo é plástica! E, para mostrar que não está bêbado e fazer de conta que está interessado nos comentários, você faz a pergunta fatal:
— Tá, mas e aquela senhora chata de sorriso amarelo, quem era?

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A qualquer momento

(Óscar Fuchs)

Essa é uma história real. Comprei uma máquina de lavar e secar, exigência da querida companheira. Como em todas as casas do mundo, lá em casa quem manda é a querida companheira. Comprei a máquina numa terça-feira:

— Será entregue até sexta-feira! — Informou a competente vendedora

— Só na sexta? Não pode ser antes? Amanhã?

— Amanhã é feriado, mas vou tentar. — Disse ela.

Quarta-feira. Entusiasmado, dividindo com a querida companheira a alegria da nova aquisição. Ela viajaria e eu ficaria esperando a máquina. Mandou não me entusiasmar muito e, como em todas as casas do mundo, obedeci. Antes de sair ainda deixou outra ordem:

— Não coloque nem a cabeça para fora de casa, pois a máquina pode chegar a qualquer momento.

Quinta-feira. Em casa, tirei tudo do caminho, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Próximo passo, livrar-me da máquina antiga. Liguei para uma ou duas pessoas conhecidas e necessitadas dizendo que estava dando uma máquina de lavar em bom estado.

— Tem que ir aí para pegar? — Perguntaram.

— Lógico! — Respondi.

— Ah, então não quero.

Nenhuma das duas pessoas aceitou minha oferta. Fiz do limão, limonada: doei a uma entidade assistencial. Teria que esperar que viessem buscar ainda essa manhã. Esperei sem sair de casa o resto da quinta-feira. Não podia sair para nada, nem para comprar cigarros, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Não veio também na quinta-feira.

Sexta-feira. Vieram buscar a máquina usada que era para terem buscado ontem de manhã. Já estava quase sem cigarros. Esperei a máquina nova toda a manhã e nada. Liguei para a atenciosa vendedora:

— Olha, deve estar estourando por aí. — Disse ela.

Sexta à tarde. Já que não podia sair de casa, pois a máquina chegaria a qualquer momento, resolvi fazer uma limpeza geral no banheiro, onde ela seria instalada. Liguei o chuveiro e comecei uma faxina que, modéstia à parte, ia ao mais recôndito grão de rejunte para azulejo. Achei até um fio de cabelo loiro e, o mais incrível, que era meu mesmo! Do tempo em que eu ainda não tinha cabelos totalmente grisalhos!

Faxinei todo o banheiro e, além de uma dor insuportável nas costas, queimei a resistência do chuveiro. Só que não podia sair de casa para comprar outra resistência, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Compraria uma nova resistência no dia seguinte. Final da tarde de sexta-feira, resolvi ligar para a dissimulada da vendedora:

— Está a caminho! — Garantiu ela.

Achei melhor não ir ao mercado fazer compras, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Não veio. Os cigarros acabaram.

Sábado. Pela manhã a falsa da vendedora asseverou que a máquina chegaria até 4 da tarde, no máximo tardar. Para adiantar serviço, já que não podia sair de casa, pois a máquina chegaria a qualquer momento, optei por remover a resistência queimada do chuveiro. Assim, já deixava tudo pronto para instalar a nova resistência que compraria após as 16 horas.

Como manda a boa norma, antes de mexer em eletricidade, desliguei o disjuntor de energia. Removi a velha e queimada resistência e deixei o chuveiro assim, no Ponto Frio. Sadismo, puro sadismo, ironia, galhofa, pândega.

Outra boa norma diz que nunca se deve desligar a energia se o computador estiver ligado. E foi exatamente o que eu fiz: desliguei a energia e o computador foi pro pau.

Chegou o instalador da máquina. Tinha esquecido dele. A título de “visita” levou-me os últimos 50 reais, pois o instalador não tinha o que instalar. Estava guardando o dinheiro para comer um tele-qualquer-coisa, já que não podia sair, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Tentei pelo menos afanar-lhe um cigarro, mas o safado não fumava. Liguei para a mentirosa da vendedora:

— Vou resolver isso e ligo pro senhor em dez minutos! — Disse.

Domingo. A desgraçada da vendedora não ligou. Fiquei em casa porque, nunca se sabe, talvez no domingo! Domingo sem chuveiro, sem comida, sem computador, sem cigarro, meu time perdeu e a máquina não veio.

Segunda-feira de manhã. A querida esposa ligou dando bronca porque a máquina não havia chegado ainda. Pedi desculpas e disse que faria o possível.

Deprimido, com fome, irritado, ansioso, com raiva, liguei para aquela filha da puta da vendedora que afirmou que já estava tudo encaminhado e não passaria do meio-dia. Me contive, pois a máquina chegaria a qualquer momento. Passou o meio-dia e a máquina não veio. Abri a persiana da sala para me certificar de que um pulo daquele 4º andar seria fatal num suicídio, mas aí a fita da persiana arrebentou e a persiana caiu feito uma guilhotina sobre meu pescoço me deixando aprisionado com a cabeça do lado de fora e corpo do lado de dentro. Então, com a cabeça pendurada para fora da janela, imobilizado e preso pela persiana, ouvi o porteiro eletrônico tocando e vi lá embaixo um caminhão de entregas esperar por cinco minutos e ir embora. Eu sabia, eu sabia: “Não coloque nem a cabeça para fora de casa, pois a máquina pode chegar a qualquer momento”.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

The Guitarman

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Rock em Rolo

(Óscar Fuchs)

— Aí, pai, to indo.

—Vai viajar? Pra onde?

— Viajar nas ondas do rock, pai. To indo pro festival de rock!

— É isso aí, filhão! Paz e amor!

— Paz e amor? Que chonga é essa, pai?

— Paz e amor, Woodstock, rock’n roll, protesto, transgressão...

— Não pode, pai, tem um monte de seguranças.

— É bom, é bom, sempre tem uns caras que exageram. Mas o importante é que o pessoal vai na livre e espontânea, voluntariamente, só no amor...

— Só no amor? Um passaporte desses custa uma fortuna, pai!

— Como assim, mas não é de graça? Todo mundo se movimenta para o mesmo lugar e acampa com barracas num gramado, curtindo o rock?

— Que nada, o patrocinador não deixaria.

— Patrocinador? Em festival de rock?

— Claro, né pai?!

— Ta bem, deixa pra lá. Quem é que vai estar no show, diz aí as bandas.

— Ó, no primeiro dia vai ter Titãs, Milton...

— Milton? Milton and the Wildtones? I’m gonna move? Big green car? É rock puro!

— Acho que não é o mesmo Milton, esse é o Milton Nascimento.

— Milton Nascimento? Cantando Travessia, Coração de Estudante, Cio da Terra e essas coisas, num show de rock? Tudo bem, tudo bem, é bom mesmo assim. Quem mais, quem mais?

— Deixa ver, Claudia Leite.

— Essa não é aquela do axé?

— É, a baiana, aquela.

— Axé em show do rock? Só falta dizer que vai ter música clássica.

— Vai. Será no encerramento da abertura.

— O que? Não me diga que vai ter Verdi com orquestra e coral no Va pensiero de Nabuco, em show de rock, inadmissível, inadmissível! Me dá aqui essa relação, deixa ver: Ivete Sangalo? Aquela do trio elétrico? Shakira? Aquela popzinha da copa do mundo?

— Ah, as meninas gostam dela, pai.

— Isso é comercial, é fabricado, é produto, é igual rolo de papel higiênico! Rihanna? Quem é Rihanna? Isso não é rock!

— Ela é uma que...

— Olha só essa lista, nenhum Rolling Stones, nenhum Queen, nenhum Santana...

— Não ta confirmado, mas acho que vai ter sim.

— Santana?

— É, o Luan.

— Não acredito! Onde a gente foi parar!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Só money F.C.

Tijolinho de Arquibancada

(Óscar Fuchs)

Para pouca ética, uma filosofada: o poder econômico se apropriou do que é popular (do povo) e passou a vender para o povo o que já era dele! Filosofada, sim, mas vê se não é verdade.

Há apenas alguns anos nada acontecia nas tardes de domingo. Então as pessoas se reuniam e “juntavam” um time de futebol. Ainda não tinham nem campo de futebol, então tratavam de limpar um pasto, tirar os tocos de árvores a muque, tapar os buracos, colocar grama onde não houvesse e fazer as linhas demarcatórias no chão com cal virgem. O comunitário dono da serraria cedia alguns troncos e sarrafos, o gentil carpinteiro montava duas traves de gol e todos levavam no braço até onde deveriam ser instaladas. Espalhava-se a notícia pela região de que surgia um novo time de futebol e logo apareciam vários adversários dos lugares vizinhos propondo matches, jogos de futebol para alegria dos jogadores e diversão do povo nas tardes de domingo. Isso eu fiz.

Em breve o time haveria de ter nome, distintivo e, quiçá, uniforme. Definia-se quais seriam as gloriosas cores do scratch e então a dedicada costureira — via de regra, mãe de um dos atletas — cortava e costurava os panos que a loja de tecidos graciosamente ofertara  para que se fizesse o vistoso uniforme.

Em domingo de estréia de uniforme tinha-se que promover um torneio. Não apenas para exibir e “patentear” as insígnias da agremiação, mas também — e como já fomos humildes e solidários! — para agradecer a todos aqueles rivais que sempre nos apoiaram e ajudaram... no mais das vezes, emprestando a bola número 5 e dando sugestões de como criar um time.

O tal torneio começava às nove da manhã e se estendia até o final da tarde com os times jogando entre si até que saísse um campeão. Não era desmereço o promotor do torneio ficar fora da decisão, afinal estava apenas começando sua trajetória gloriosa. E quando se definia o campeão numa eletrizante partida final — e como já fomos honrados e reconhecidos! — a festa era de todos e todos aplaudiam, parabenizavam e comemoravam, pois foi justo.

Logo havia de trocar o velho e puído uniforme por outro, comprar novas chuteiras e, quiçá, uma nova bola número 5. Já que as pessoas se divertiam assistindo aos matches, nada mais justo que essas pessoas contribuírem para aquisição de novos materiais. Assim, passava-se a cobrar ingresso, um pequeno valor, apenas para as despesas. Ninguém vivia daquilo ou ganhava dinheiro com aquilo. Até aí tudo bem, nada de mais. Mas, daí para diante, vocês já sabem o que aconteceu nas últimas duas décadas.

Os empresários progressistas perceberam e se apossaram da paixão dos torcedores, tomaram conta dos clubes, das federações, fizeram negociatas com outros empresários progressistas e progredimos para a exclusão econômica e social no futebol. O povo foi escorraçado dos estádios, das transmissões das emissoras de TV e, agora, até do radinho de pilha. Sim, porque os jogos às sete e meia da noite nem se pode acompanhar pelo radinho porque no mesmo horário tem A Voz do Brasil, com os grandes feitos de deputados, senadores e outros que se apropriaram da república. Já na TV, para contentar grades de programação, os jogos são lá pelas 10 da noite.

Pelo horário — o torcedor só volta para casa na madrugada! —, pelo preço ou por ser obrigado a ser sócio o povo não pode ir aos estádios. E a TV fechada — que é a única que transmite! — cobra cerca de R$ 75,00 por jogo no pay per view.

Mas, peraí! Ta todo mundo ganhando muito! Os clubes agora têm diretores remunerados, os presidentes de federação e outros cartolas faturam com cotas de patrocínios e marketing até se tornarem milionários, as arbitragens só fazem discursos de indulgência a si mesmos por apitarem mal, mas cobram alto mesmo assim, os técnicos e jogadores recebem salários injustificados para inventarem desculpas para a derrota do time ou arranjam um desconforto muscular para não jogar. E eu pergunto: então era isso que pretendiam quando inventaram a falácia do clube empresa, do futebol profissional, do futebol empresa?

Todos ganham e muito, menos o apaixonado pelo futebol, aquele que gosta do esporte pela disputa, pelo lúdico, o verdadeiro criador e fomentador de todos esses clubes — clubes!? — que estão por aí: o torcedor.

Olha, ainda há futebol de várzea, apesar da tentativa de acabar também com ele. Garanto que lá na várzea nenhum atleta deixará de jogar por causa de uma unha encravada. Imagina um jogador da várzea pedir para não jogar por causa de um desconforto muscular! Lá ninguém recebe uma fortuna e nenhum presidente cobra comissão por marketing, nem marketing tem! Nenhum treinador da várzea tem a sua disposição quarenta jogadores para escolher onze e ainda escolher errado, apesar de ser um especialista na função. Lá na várzea não há repórteres amiguinhos fazendo perguntas amigáveis e puxando o saco dos entrevistados para ter acesso a informações e aos pernas-de-pau, não! Lá eles são cobrados aos gritos por aquele que levou seu tijolinho, colocou no barranco e está sentado nele, assistindo ao jogo. Ele constrói sua própria arquibancada com aquele tijolinho. Lá, basta o jogador errar só um passe de três metros que já vai para o banco de reservas. Como dizia meu treinador:

— Senta lá no banco e fica assistindo. Prefiro jogar com dez que ter você fazendo merda.

Lá na várzea tudo é honesto, ninguém está enganando ninguém para faturar, o craque é craque, o cabeça-de-bagre é esforçado e o juiz é da vizinhança. Já que nos tomaram o que nos pertencia, vamos começar tudo outra vez: pegue seu tijolinho, vá até a várzea e vamos construir uma nova arquibancada, um novo velho e bom futebol.

A filosofada foi longa, já estão batendo à porta, preciso desocupar. Cadê o papel... cadê o papel.... cadê o papel...

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Não vê as notícias, não!?

(Óscar Fuchs)

Trabalhei como Relações Públicas em uma casa noturna há muitos anos. Minha rotina era sair do trabalho lá pelas cinco da manhã, chegar em casa, pegar o jornal quentinho que recém tinha sido entregue e ler até que viesse o sono.

Certa vez, por cerca de duas semanas, não recebi o jornal. Atrapalhou toda a minha rotina, pois chegava em casa e não tinha nada para descontrair de uma noite de trabalho.

Numa madrugada dessas, chegando em casa, encontrei o entregador saindo pelo portão do prédio logo após entregar o jornal. Não pude deixar de exultar:

— Ah, finalmente voltaram a entregar o meu jornal!

— É — disse ele —, a gente não estava entregando.

— Isso eu sei! O que aconteceu?

— A gente estava em greve. O senhor não vê as notícias, não?

Não me contive:

— Como é que poderia ver as notícias se você não me entrega o jornal!?

Disso, me ocorreu:

O sujeito vem pela estrada e para em um posto de combustíveis para abastecer o carro:

— Cinqüenta reais de álcool, por favor. — Pede.

— Não dá. — Diz o frentista.

— Como é? — Pergunta o motorista.

— Não posso vender álcool para o senhor.

O motorista sorri amarelo.

— Como assim, não pode? Isso é uma pegadinha, né?

— Não, senhor.

— É uma pegadinha, sim. Cadê a câmera? Cadê?

— Câmera é na borracharia, senhor.

— Eu to falando de câmera de filmar. Aposto que tem uma câmera filmando a gente. — Desconfia, olhando para os lados

— Tem, não.

— Mas, então... por que você não pode abastecer meu carro?

— Abastecer, eu posso. Só não pode ser com álcool.

— E por que não?

— Quem garante que o senhor não vai beber?

— Ta maluco? Eu nem bebo!

— Isso é o que o senhor está dizendo.

— Você acha que vou beber álcool combustível?

— Já vi gente bebendo cada coisa que o senhor não imagina. O vício é uma desgraça.

— Agora ta me chamando de bêbado!

— Como é que vou saber? Eu não ponho a mão no fogo por ninguém.

— Isso não tem lógica.

— O que não tem lógica é o senhor beber um tanque cheio de álcool e sair por aí, embriagado, provocando acidentes e matando gente inocente.

— Você é maluco?

— Posso ser maluco, mas não sou bêbado.

— Eu não bebo! Vamos resolver isso: você coloca um pouquinho, só pra eu chegar a outro posto, ta bem?

— Só uma garrafinha?

— Só uma garrafinha.

— Vamos fazer diferente: eu sirvo um copinho pro senhor, só uma dose, e o senhor promete que larga a bebida.

— Eu já disse que não bebo!

— Todos os bêbados dizem que não são bêbados.

— Escute aqui, ou você abastece meu carro ou denuncio você e esse posto agora mesmo!

— Pode denunciar. To só respeitando a lei.

— Lei? Mas que lei?

— Puxa, o senhor é muito desinformado, hein?

— Mas eu não to sabendo de nada, que lei é essa?

— Não sabe que proibiram a venda de álcool nas estradas?

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Do torcedor

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Humpf!

(Óscar Fuchs)

O marido assistia ao futebol enquanto a mulher, ao lado, fazia crochê... ou tricô, porque nunca sei o que é um e outro. O locutor da TV disse:
— Mande sua pergunta!
E a mulher comentou com o marido:
— São uns idiotas.
— Quem? — Perguntou o marido.
— Esses que mandam perguntas para a TV. Pensam que vão responder as perguntas?
— Eles respondem, sim.
A mulher sorriu com desdém:
— Então pergunta pra eles por que só respondem perguntas idiotas. Duvido que vão responder.
— Eu acho que...
— Fico pensando — interrompeu a mulher —, se esses babacas sabem que os comentaristas só respondem perguntas idiotas, por que mandam as perguntas?
— Porque...
— Pra aparecer, só pode ser pra aparecer.
— Vai ver que...
— Quer aparecer, mesmo que passe por idiota.
O marido continua tentando:
— Às vezes...
— Por que essa gente tem tanta fixação em aparecer na TV?
— É uma coisa...
— Só pra dizer pros amigos que apareceu na TV? Só pra se vangloriar “meu nome apareceu na transmissão do futebol”, só por isso?
— Talvez...
— E daí? Grande coisa! — A mulher imita um ogro — “O Galvão fez minha pergunta idiota ao Casagrande, hô-hô-hô!”
— De vez em quando...
— Tem que mandar esses idiotas catar coquinho.
— Eu mandei.
Finalmente a mulher prestou atenção ao marido e perguntou entusiasmada:
— Mandou eles catar coquinho?
— Não, mandei uma pergunta.
— Ah, não acredito. Mas é um idiota.
O marido apenas suspirou.
– Que pergunta você mandou?
O marido apontou para a TV:
— Daqui a pouco você vai saber.
A mulher pensou alto:
— Se você mandou uma pergunta, e se eles vão fazer a sua pergunta, então... você mandou uma pergunta idiota!
— Você ainda nem sabe qual é pergunta!— Argumentou o marido.
— Mas, você disse que eles vão fazer sua pergunta...
— Acho que vão.
— Pois é, se eles só colocam no ar perguntas idiotas, e se você tem tanta certeza que eles vão colocar sua pergunta no ar, então é uma pergunta idiota!
— Pode ser pra você, mas...
Ela interrompeu outra vez:
— Impressionante.
Ele quase se irritou:
— Antes de criticar...
Ela voltou pro seu crochê... ou tricô, sei lá:
— Outro idiota mandando perguntas idiotas pra TV idiota.
— É que eu...
— Por que não mandou uma pergunta inteligente? — Perguntou ela.
Aí ele se irritou mesmo:
— Porque se eu mandar uma pergunta inteligente eles não vão fazer minha pergunta no ar, só por isso!
Ela também se exaltou:
— Então não manda a pergunta idiota!
— Se eu não mandar a pergunta idiota eles não falam!
— Não falam o que?
O marido, intimidado:
— ...não falam... a pergunta...
A mulher levantou o indicador:
— E o que mais? E o que mais?
O marido respondeu baixinho. Ela colocou a mão no ouvido e insistiu:
— Hein? O que disse?
— Meu nome. Se eu não mandar uma pergunta idiota eles não falam meu nome no ar, pronto.
— Ahá! Então é isso, é só pra aparecer! Eu sabia! Eu sabia! Você só queria que seu nome aparecesse na TV.
O marido ficou em silêncio. Ela voltou a fazer tricô... ou crochê:
— Eu só me pergunto: Por que essa fixação em aparecer o nome na TV?
O Locutor da TV disse:
— Faltam dois minutos para acabar o jogo!
— Viu? Viu? Ta acabando o jogo e não fizeram sua pergunta idiota. Bem feito.
Uma pausa pensativa, então ela se dá conta:
— Mas, qual era a pergunta que você mandou só pra aparecer?
— Não vou dizer.
— Ah, fala.
— Não.
— Deve ter sido uma pergunta inteligente, porque eles não leram sua pergunta no ar, né?
— É.
A mulher largou o crochê... ou tricô e sentou-se ao computador. Digitou algo e voltou a sentar no sofá. O marido, curioso, perguntou:
— O que você foi fazer no computador?
A mulher retomou o tricô... ou crochê e respondeu indignada:
— Mandei uma pergunta para aqueles babacas.
— Que pergunta?
— Perguntei por que eles não colocaram no ar a pergunta inteligente do meu marido. Agora quero ver o que eles vão dizer. Humpf!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

ET wanna to go back to Bahia

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Até os gsepgmolj!

(Óscar Fuchs)

Ta bem, já foi, já falei, agora ta feito: tenho contato com seres de outro planeta, os gsepgmolj. Ou pelo menos foi como eu entendi o nome da civilização deles (ver crônica Os gsepgmolj, no blog). Os gsepgmolj andam na bronca comigo porque revelei que encontro eles no boteco do Vandi.
— Pô, terráqueo, que saco! — reclamaram — Dia desses tivemos que aturar aquele chato do Caçadores de OVNIS e mais o Paulo Coelho juntos durante duas horas!
Compreendi perfeitamente e já me desculpei pelo imensurável desgosto. De qualquer jeito, não foram reconhecidos pela dupla de chatos. Os dois disseram que “não eram extra-terrestres coisa nenhuma, apenas um bando de bebuns delirantes”. Mal sabem. Bebuns delirantes eles também são, mas de outro planeta. A vodka vagabunda do Vandi tem o nome muito parecido com o nome do planeta deles, Vrlizov, então os gsepgmolj bebem garrafas e mais garrafas para esquecer a terra natal, digo, a Vrlizov natal.
Vrlizov ficou inabitável depois que uma onda de idiotice assolou o planeta e tornou-o insuportável. Houve uma invasão de modismos alienígenas que engoliu sua cultura. Dizem que há uma cidade inteira só de Carlinhos Browns, imagina a tortura! Então vieram para cá. Hoje se abancam no boteco do Vandi e bebem aquela vodka intragável enquanto cantam suas canções. Os bebuns terráqueos que também frequentam o boteco ficam melancólicos, inconsoláveis, e se abraçam nos gsepgmolj aos prantos, apesar de não entenderem uma palavra do que cantam. Bebum é sempre solidário.
Ontem eles vieram comentar o tal Código Florestal, sobre o qual ouviram a imprensa falar muito nos últimos dias.
— Ficamos felizes por vocês, terráqueo.Vão aumentar as áreas dos colonos e vão ter mais comida.
— Os pequenos agricultores não querem nada para a agricultura familiar. Eles produzem alimentos sem destruição das tais áreas de preservação. — Informei.
— Ora, mas está em todos os jornais, nas televisões, que...
— Estão enganando a vocês também. Na verdade os grandes ruralistas estão tentando aprovar uma lei para abocanharem mais terras e para não pagarem as multas pelos desmatamentos que já fizeram.
— Mas... todos estão a favor e...
— O povo nem ta sabendo.
— Quer dizer que o meio ambiente vai...?
— Se forem aprovadas as alterações no Código Florestal, há risco de serem lançadas na atmosfera quase 7 bilhões de toneladas de carbono, mais de 13 vezes as emissões do Brasil no ano de 2007.
— Outra garrafa de vodka! — Gritou um deles para o Vandi.
— Terráqueo, vocês não podem aprovar isso!
— Não depende de nós, meu amigo alienígena. Nossos representantes vão ganhar muito com isso, tem uma bancada ruralista que vai faturar alto se isso passar.
Um deles agarrou o casaco de outro com as duas mãos e começou a chorar histérico:
— Eu não quero ir embora de novo... não quero... eu quero ficar aqui... já é quase a minha casa entende?
O outro passava a mão na cabeça dele, consolando-o:
— Schhhh, schhhhh... não vamos.... não vamos....
Mas ele não se conformava:
— Esse clima bom... essa vodka...essas mulheres com peitos... e na frente ainda!
— Eu sei, eu sei....schhhhhh. Calma, calma.
Estava inconsolável. Agarrou as lapelas do meu casaco e implorou:
— Faça alguma coisa! Faça alguma coisa!
Atendi a seu pedido e servi outra vodka em seu copo.
— Terráqueo — disse o outro —, você tem que fazer alguma coisa para evitar isso!
— O que? Nada que eu faça vai... peraí!
Uma idéia me caiu. Juntei a idéia e a aproveitei:
— Posso escrever sobre essa tristeza de vocês! Imagina como isso vai sensibilizar os terráqueos, pois se até extraterrestres estão preocupados!
— Genial! Genial! — Vibraram todos, abraçando-se.
Dei continuidade ao raciocínio:
— E então poderemos...
Mas um desânimo me assaltou. Não levou nada de importante, mas me assaltou:
— Não adianta, ninguém vai acreditar. Como vou dizer que aliens estão preocupados, se ninguém acredita que converso com vocês? Lembram os dois chatos que estiveram aqui?
— É verdade. — Concordaram.
Melancolia geral. Um deles se aproximou tristonho, colocou a mão em meu ombro e queixou-se:
— Olha, se esse negócio sair... vou embora.
Baixei a cabeça, deprimido. Ele olhou para o alto, pensativo, e arrematou:
— Prefiro encarar aquele monte de Carlinhos Browns.



Baixe aqui a cartilha "Código Florestal: Entenda o que está em jogo com a reforma de nossa legislação ambiental". (Clique com o botão direito e selecione a opção Salvar como...)

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Expert

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Academicismo

(Óscar Fuchs)
Não faz tanto tempo. Ali em 1851 ainda havia dúvidas da rotação da terra sobre seu eixo. León Foucault teve de construir um pêndulo gigante e instalá-lo no Panteão de Paris para demonstrar que o planeta girava em torno de si mesmo. Tudo porque os sábios da academia não admitiam que os cálculos de Foucault estivessem certos. Afinal, eles eram acadêmicos e Foucault, não. Também não podiam admiti-lo como membro da Académie de France pois, se o fizessem, estariam tornando-o um acadêmico e então teriam que aceitar seus cálculos! Aquela bancada de diplomados não conseguia provar o óbvio e também não permitia que alguém provasse, pois o que seria de seu diploma se um leigo fosse mais competente que eles? E Foucault teve que construir seu pêndulo para que vissem que a terra gira em torno de si.
Com isso, fiquei imaginado lá, no começo dos tempos do conhecimento:
— Mestre! Mestre! Veja, descobri que dois mais dois...
O mestre levantou a mão, interrompendo o menino:
— O que é dois, Sissiam?
— Dois é mais que um, mestre.
— E o que é um?
— É mais que nada.
— Sissiam, meu pupilo, aqui a gente conta as coisas com nada, depois vem o mais que nada, depois mais que nada mais mais que nada...
— Eu sei, mestre, até muitos mais que nada que dá a conta dos dedos da mão e depois mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão, e então mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão e do pé...
— Isso mesmo, Sissiam. E depois mais que nada que dá a conta de outro pé, e que dá a conta das orelhas, e que dá a conta do nariz e assim por diante.
— Pois é, mestre, eu sei disso. Mas eu dei nome para o mais que nada. E também para o mais que nada mais mais que nada e assim por diante. Dei nome até para a conta do nariz!
O mestre riu, compreensivo:
— E como seria o nome da conta do nariz, Sissiam?
— Oitenta.
— Ah, sim. E o que você descobriu dando nomes?
— Veja, mestre: descobri que dois mais dois é quatro!
— Muito bom, Sissiam. Agora volte a brincar com os filhotes dos escravos. Não os machuque muito para não ficar sem brinquedos.
— Mas, mestre...
— Vá brincar, Sissiam. Olhe, estou vendo que falta mais que nada filhote de escravo da sua manada.
— É verdade, mestre. Não tinha percebido. Está mesmo faltando um.
Um é o nome dele?
— Não, mestre. Um é o nome que dei para mais que nada. Mestre! Nós poderíamos contar os escravos com os nomes que inventei! Perderíamos menos escravos!
— Ãããããhhhnnnn, interessante. E como chamaríamos esses nomes que você inventou para mais que nada e mais que nada mais mais que nada e... ufa, isso é cansativo mesmo... daí por diante?
— Números, mestre.
Números... parece-me bom... e tire o dedo do oitenta, digo, do nariz. Então, comece a me explicar de novo.
— Pois é, mestre. Descobri que dois mais dois é quatro. Quatro é mais que mais que um, mas é menos que a conta dos dedos da mão. Assim fica mais exato, entende?
— Entendo.
— Depois vem o cinco, o seis, o sete...
— Não pode, Sissiam. Você não pode inventar e descobrir coisas porque você não é um mestre. Só mestres podem fazer isso. Nós, os mestres, passamos anos estudando e aprendendo com outros mestres para podermos ser mestres e inventar e descobrir coisas. Você, que ainda é um menino tolo, está estudando comigo, seu mestre. Ensino tudo o que você deve saber. Se um dia for mestre, poderá inventar e descobrir qualquer bobagem que quiser, algo para voar como os pássaros, ou para ouvir as pessoas de outros lugares, qualquer coisa inútil, mas só quando for mestre. Agora, volte a brincar.
O menino saiu cabisbaixo. Já distante ouviu o mestre gritar lá da pedra onde ficava sentado:
— E vá procurar seu filhote de escravo, esse tal de Um!

terça-feira, 31 de maio de 2011

La famiglia inocentada

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terça-feira, 24 de maio de 2011

Popularesco

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Vai no popularesco

(Óscar Fuchs)

Não tenho aqui em casa uma peça para ficar só, um escritório, por exemplo, onde eu possa pensar e escrever. Então, uso o banheiro. Tem quase tudo o que teria um escritório: silêncio, privacidade, um lugar confortável para sentar e pensar, tem papel, sem contar que posso fazer duas coisas ao mesmo tempo. Ali dou minhas filosofadas. E, na pressa de escrever, saio a cata: cadê o papel... cadê o papel...?

Filosofada quentinha: o popularesco tomou conta de tudo. Não o popular — que é autêntico do povo, que é de suas raízes —, nem o populista — que tem viés político, artístico e até cultural —, mas o popularesco mesmo!

O popularesco, ao contrário dos outros, tem finalidade exclusivamente comercial, é obra da mídia e empresários cúmplices para ganhar dinheiro, nada mais. O cinema lança semanalmente filmes bobos e sem propósito com estorinhas de vampiros idiotas, colegiais tolos, lendas nórdicas mentirosas e até fatos históricos distorcidos. E o cinema paga muito para fazer propaganda massiva de seus produtos.

Aos Paulos Coelhos é dado status de escritor e cult, a pseudo-sertanejos americanizados é dado o lugar dos autênticos caipiras, pagodes chorosos e falsos tomam o espaço de verdadeiros sambistas. A MPB, Música Popular Brasileira, virou Música Popularesca Brasileira.

A televisão virou um espetáculo de bizarrices nojentas e apelativas nos programas de auditório, nos jornalísticos sensacionalistas cheios de violência e encenação, nas novelas com tramas superficiais, simplificadas e maniqueístas, bem ao gosto da população “inculta e bela”. É o circensis, é a concretagem da mediocridade e da ignorância.

Todos os meios de comunicação — jornais, televisões, rádios e grandes provedores de internet — escancaram seu espaço e seu tempo para o futebol, o mais popularesco dos esportes e dos assuntos. E a massa, ignara, cai na armadilha.

Cai na armadilha e sai parlapatando — parlapatação é o falar do papagaio, a repetição — tudo o que ouve e lhe dizem como se fosse culto, de bom gosto e até erudito.

Isso dá dinheiro. O culto e bem informado é exigente, quer o melhor pelo menor preço, é muito chato, dizem as empresas. Já para o desinformado e inculto é mais fácil vender, ele consome os produtos baratos e de má qualidade com avidez, sem exigir e sem reclamar.

Soube que o caderno de cultura dos jornais — surpresa! — é um dos mais lidos. Compreensível: todos os inconformados com esse popularesco se juntam na leitura de um único veículo, aquele que ainda traz algum conhecimento. No entanto, em geral, os jornais têm apenas um caderno de cultura por semana. Ora, se é tão lido, por que não é editado mais vezes na semana? Simples: porque é lido, mas não é anunciado. Poucos querem anunciar nesse caderno, pois o leitor é — como disse — bem informado e exigente... em suma, um chato. Tudo é apenas uma questão de dinheiro. Mas, se não dá dinheiro, por que continuam editando ao menos um caderno de cultura semanal? Um ínfimo resquício de vergonha e moral dos donos da mídia conserva algo assim mais, digamos, digno.

O pior, mas o pior mesmo, é que quem tenta alertar a vítima do popularesco, não consegue. Simplesmente porque esse alerta não é algo de seu universo popularesco.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Futuro

A gente podemos

(Óscar Fuchs)

Uma vez eu tava escrevendo e fiquei na dúvida de como a gente devemos escrever um determinado verbo em concordância com o tempo e a pessoa. Passei dias na dúvida. Pesquisei e estudei até que aprendi a escrever certo.

Se nós pega o jeito que a gente falemos na rua todos os dias, é muito mais fácil escrevermos. Então o Ministério da Educação deve ter pensado isso quando aprovou aquele livro que permite erros, porque daí a gente não podemos exigir salário melhor pros professor e nem escola melhor. Afinal, mesmo que nós escreve tudo errado, ta certo.

No livro didático de português Por uma vida melhor, da coleção Viver, aprender, adotado pelo Ministério da Educação para o ensino de jovens e adultos, os autor usa a frase “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” para exemplificar que, na variedade popular, só “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Em um outro exemplo, os autor mostra que não há nenhum problema em usar “nós pega o peixe” ou “os menino pega o peixe”.

Todas as vez que algum pai de aluno ir reclamar na escola que seu filho não sabe falar e escrever direito, que os aluno não pode escreverem daquele jeito, que os professor não pode ensinarem aquilo, eles vai dizer pro pai:

— Agora, a gente podemos. O Ministério da Educação disse que nós não pode fazermos os alunos ser vítima de preconceito lingüístico.

A gente sabemos: o Ministério não tem como explicar porque os professor ganha tão pouco, nem porque deixa de construir as escola e nem como os aluno sai da escola formado sem saberem escrever e falar, então diz que é normal o jeito que nós falemos.

Já faz alguns ano que o Ministério ta tentando colocar os aluno com necessidades especial no ensino regular, como se os aluno assim não precisasse de atendimentos diferenciado. Tudo porque esses aluno é caro e exige investimento. A gente imaginamos: um aluno que precisa de atenção especial e de mais tempo, na mesma sala que outros 39 aluno. Das duas, uma: ou ele não vai acompanhar os outro, ou os outro vai ter que ficarem esperando por ele. E o cronograma do professor vai pro espaço junto com os plano de aula e o ensino.

Agora o Ministério ta querendo que os professor seja os jogador de futebol e os funkeiro, ensinando as pessoa a dizer nós vai, nós quer... enfim, eles deve estar gritando é nós! Aprender o errado a gente aprendemos em qualquer lugar, mas o certo a gente temos que procurar onde aprendermos. E as escolas existe pra isso, pra ensinar o certo.

E não venha vocês com esses papo que as elite cultural é que ta falando contra isso, que é os que estudaram em escolas particular, que são pessoa querendo preservarem seu poder, etc, porque a gente não semos elite cultural, a gente estudemos em escolas pública e a gente não temos poder nenhum pra preservar. Ainda assim, a gente não aprovemos isso. Mas, a gente semos inútil.

E agora, vocês achou bonito esse texto escrito desse jeito? Se vocês acha que ta tudo errado, também achemos... só que agora a gente podemos. É nós!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O caso Bin-Bin


quarta-feira, 4 de maio de 2011

Acerto de contas


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segunda-feira, 2 de maio de 2011

O nada

(Óscar Fuchs)

Tinha um professor na 4ª série — quando ainda se chamava primário! — muito simpático. Chamava-se Zezinho e era tão pequeno que tinha a altura de seus alunos. Talvez por isso a identificação entre o mestre e seus gafanhotos. Certa vez, ao fazer uma arteirice, fui pego por ele com a mão na cumbuca. Assustado, imediatamente coloquei as mãos às costas, escondendo o objeto da minha safadeza, a prova de um menino arteiro. Professor Zezinho parou a minha frente e perguntou calmamente:
— O que está escondendo aí atrás?
— Nada. — Respondi.
Professor Zezinho colocou a mão no queixo e disse pensativo, mas inquisidor:
— Como é que se esconde nada?
E pronto, não tive argumentos: Se era nada, por que eu escondia? Entreguei a ele o isqueiro que roubara de meu pai e trouxera para a escola.
Durante a aula do Professor Zezinho eu pedia um fio de cabelo às meninas. Cúmplices, sorriam arteiras, davam um puxão no próprio cabelo e me entregavam os fios. Sim, porque nunca vinha um fio só. Pegava os fios, acendia o isqueiro e os queimava discretamente, exalando aquele cheiro de cabelo queimado. Pura sacanagem!
Depois que ele me pegou e que lhe entreguei o isqueiro fiquei pensando que poderia tê-lo enfiado nos fundilhos da calça, pelas costas, e mostrado minhas mãos vazias. Seria a glória da trapaça, mas não me ocorreu na hora. Além disso, vai que o isqueiro escorregasse pela minha perna e caísse aos pés dele, surgindo da boca da minha calça. Ainda seria pego e punido pela tentativa de esperteza.
Mas o importante da lição foi que não temos necessidade de esconder um nada, quando nada for apenas isso: nada.
Georges Dumézil, um dos maiores filólogos e estudioso da mitografia, afirmava — não exatamente nessas palavras, mas simplifiquei — que a história é o mítico disfarçado. Se já o foi por toda a existência, tanto mais é nos dias de hoje. Assim criou-se o mito do Rei Arthur, de Júlio Cesar e, para alguns, até de Jesus Cristo durante milhares de anos. Todos, míticos ou históricos, hoje são tidos como verdadeiros por muitos. Exemplos bem óbvios para compreendermos Dumézil.
No mundo atual estamos cheios de exemplos em que o marketing cria mitos e os transforma em história: personalidades artísticas como atores e músicos que têm suas biografias trabalhadas e passam a ser cultuados, políticos que se moldam no mítico como estátuas e passam para a história. Fiquemos por aí, apenas para exemplificar.
Tudo isso para perguntar: se os americanos eliminaram Bin Laden, por que o jogaram nos fundilhos das calças — no mar — em vez de mostrá-lo ao mundo? Há uma corrente mundial que há anos afirma a inexistência de um Bin Laden com todos esses atributos míticos que lhe são imputados. Tudo não passaria de uma farsa, ou um faz-de-conta entre os interessados para conseguirem o que desejavam então. Outra teoria da conspiração?
Se for apenas isso, Obama teria o compromisso de acabar com a farsa, como prometeu em suas campanhas e como sempre argumenta ao dizer que seu governo é diferente. Mas, quanta responsabilidade a Obama: ter que eliminar nada! E, pior: depois do nada eliminado, Obama deve ter feito a mesma pergunta que fez meu Professor, Zezinho:
— Como é que se esconde nada?
Por outro lado, se o nada não é nada, por que esconder? Ainda levará tempo para sabermos se estamos na história ou no mítico. Só saberemos se algo escorregar dos fundilhos da calça e cair aos nossos pés, entregando esses meninos arteiros.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Os plebeus


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Os gsepgmolj

(Óscar Fuchs)
Revelação: há algum tempo venho tendo contato direto com extraterrestres. Não contei a ninguém porque no início eles me pareceram meio falsos: barba grisalha, blazer e gravata borboleta, gordinhos, sentados na mesa do boteco com um microfone e uma caneca. Só depois me informaram que haviam pego como modelo humano o Jô Soares. Hoje os levo mais a sério. Já perguntei por que vieram à terra, por que a América, por que o Brasil, por que eu e, principalmente, por que aqui no Boteco do Vandi? Apenas agradeceram por ter dado o endereço completo, pois estavam perdidos havia anos.
Atualmente basta sentar-me a uma mesa do Boteco do Vandi por alguns minutos que eles aparecem. É o nosso código de contato. Às vezes aparecem mesmo quando não quero falar com eles.
— O que vieram fazer aqui? — Pergunto.
— Ora, você sentou aqui e...
— Mas eu só vim tomar um cafezinho.
Vigilantes, olham em volta e cochicham:
— Você está querendo falar alguma coisa secreta, é isso?
— Não, não! Eu só entrei aqui pra tomar um cafezinho mesmo! —Explico.
— Tem certeza? — Perguntam.
— Claro que tenho! Não posso vir no boteco nem para tomar um cafezinho?
Enfim, tive que deixar de freqüentar meu boteco preferido. Só posso ir lá quando realmente quero falar com eles. Até para comprar cigarros tenho que ir disfarçado. Quanto ao disfarce deles, está bem mais realista que o modelito de Jô Soares. Agora chegam no boteco com aparências diferentes entre eles, cada um pede uma bebida e alguns chegam ao realismo de irem embora cantando alto e tropeçando nas pernas num preciosismo de interpretação do disfarce, eu acho.
Dizem vir de uma parte desconhecida do universo, algo como vrlizov, mas fiquei na dúvida se estavam se referindo ao seu planeta ou à vodka do Vandi, que não é lá essas coisas. Além disso, quando chegaram à Terra adotaram o Google como tradutor e isso já lhes trouxe muitos inconvenientes. Certa vez tentaram enviar ao governo americano uma mensagem dizendo “We wanna invite you... (queremos convidá-los...)” e o Google mandou que escrevessem “Aí, vamo invadi ôceis!”. Sua civilização se chama gsepgmolj, ou mais ou menos isso, pois não sei se o idioma deles é complicado assim mesmo ou se já estavam enrolando a língua de bêbados.
Precisava fazer uma consulta aos gsepgmolj, então ontem fui ao Boteco do Vandi e sentei a uma mesa. Em seguida um deles saiu do banheiro:
— Puxa, você apareceu rápido! — Surpreendi-me.
— To aqui desde nove da manhã. — Disse ele cambaleante depois de um arroto.
Logo apareceram os outros e sentaram-se comigo. Perguntei-lhes se tinham algo a ver com o que está acontecendo.
— Nada. —Responderam. — Ele se iludiu e ela vai dar o golpe.
— De quem vocês estão falando?
— Do William, o príncipe. Ele é uma graça, mas ela... — Olharam para o teto enquanto balançavam negativamente a cabeça.
— Não, estou me referindo a tudo o que anda acontecendo ultimamente no planeta Terra, terremotos, tsunamis, erupções vulcânicas.
— Ah, isso? Não, não temos nada a ver.
— Então somos nós os culpados? — Perguntei.
— Claro que não, — responderam com desdém — vocês não são tão importantes assim.
— Mas, a poluição, o aquecimento global e tudo mais? — Perguntei.
— Ora, Terráqueo, tudo isso vai acabar com vocês, com a raça humana, mas o planeta vai continuar aqui por muito tempo ainda. Se será igual como é hoje, ou se não tiver mais florestas, ou se não tiver mais atmosfera, ou se não tiver mais água, ou se for uma bola de gelo, ou se for uma esfera desértica, ainda assim ele existirá, continuará orbitando aqui ou em outro sistema qualquer do universo. Já vocês, acabaram. Tudo o que o planeta faz ou deixa de fazer é por vontade própria, vocês são insignificantes.
— Mas...
— Terráqueo, é petulância e arrogância pensarem que vocês são mais necessários que o planeta.
Então levantaram-se, foram até o balcão, pegaram seu companheiro que estava dormindo todo babado sobre o balcão e o arrastaram pendurado pelos braços. Ao passarem por mim fizeram uma última pergunta:
— Terráqueo, onde é o AA mais próximo?

segunda-feira, 18 de abril de 2011

...Eles passarão...




domingo, 17 de abril de 2011

ABL



A lista - Parte III - Finalmente, o fim.

(Óscar Fuchs)

Escândalo da violação do painel eletrônico - A prova material


Na falta de uma cópia da lista surrupiada do painel, a fita degravada pelo perito Ricardo Molina contém uma confissão de ACM (Isto É, 25/04/2001)


Como eu estava contando é uma frase muito usada pelos detetives. Mas não sou um detetive comum, como os outros. Como no sentido de que os engulo, de que sou muito superior a eles. Sou original em tudo e, como eu estava contando, nós detetives temos essa vicissitude de relatar nossas aventuras em pedaços. Como eu estava contando, recebi essa maldita lista e tratei de descobrir do que se tratava antes que me maltratassem. Fui ao escritório dos gêmeos Domingos e Feriados, que não poderiam me revelar nada por enquanto. Com a lista veio um bilhete que dava instruções e.... não vou repetir tudo, leia as postagens anteriores, pô!
Já era hora de saber algo mais sobre essa lista e optei por seguir as instruções do bilhete que veio com a lista. Fui ao hotel Royal e sentei-me, ansioso, na recepção. Meu nervosismo era grande, mas como todo detetive experiente, tinha que passar despercebido. Acendi um cigarro, depois outro e tentei aparentar calma e descontração enquanto fumava os dois cigarros. As horas passavam e nada acontecia. Até 13 horas eu roia as unhas, mas elas acabaram e passei a roer a falangeta do dedo médio.
Engoli o coração que estava saindo pela boca e, descontraidamente, tentei ler o jornal de cabeça para baixo. Não consegui, então inverti a posição. Tranqüilo e equilibrado, fumando meus dois cigarros, roendo meu dedo e lendo o jornal plantando bananeira, vi um homem se aproximar. Seria ele? Não, era apenas um funcionário do hotel pedindo que me comportasse. Ri para ele e exigi que parasse de caminhar no teto para conversarmos como homens equilibrados. Percebi que, por alguma razão, estava chamando muita atenção. Talvez por não estar andando no teto, como aquele bando de malucos. Desfiz a bananeira e fui até o bar.
— Me dá um gim com gelo. — Pedi ao barman.
Ele me serviu e começamos a entabular conversa. Seu nome era João. Com a conversa já toda no tabuleiro, pedi outro drink:
— Gim, me dá outro João com gelo.
Olhou-me intrigado e, imediatamente, percebi meu erro.
— Desculpe. Gelo, me dá outro João com gim. Não! Gim, me dá outro gelo com João. Também não. Peraí... ah, você entendeu.
O barman trouxe o gim com João, sorrindo.
— Obrigado. — Agradeci a meu amigo gelo.
Foi então que ouvi alguém ao meu lado dizer carambola. Saí do bar e me encaminhei para a poltrona, ao lado da mesa de canto. No caminho, com o canto dos olhos, vi que Hassam Guefrio era um homem enorme. Minha vontade foi de agarrá-lo com uma gravata surpreendente, dar-lhe um passa-pé indefensável, acertar-lhe um golpe de caratê na nuca e imobilizá-lo com uma chave infalível, pressionando seu rosto contra o chão enquanto ele gritasse “Está bem! Está bem! Eu confesso!”. Mas minha calma foi bem maior que minha impulsividade e ele era bem maior que eu. Sentei-me tranqüilamente na poltrona. Hassam veio em minha direção.
— E agora? O que faço? — Perguntei para meus botões.
Meus botões não responderam. É sempre assim, quando mais precisamos dos amigos, eles somem. O Matador aproximou-se e parou à minha frente. Impressionante o tamanho dele. Boquiaberto, exclamei:
— Caramba!
Hassam Guefrio, O Matador, balançou a cabeça negativamente, visivelmente irritado, e enfiou a mão direita por dentro do casaco. De posse de meu total controle emocional e físico, encolhi-me em posição fetal na poltrona e pensei “Pronto! Morri! Já era! Anos de contribuição ao INSS jogados fora!”. Ante a iminência da tragédia, usei meu último recurso:
— Bola. Caramba. Bolacaramba. Carambola! Carambola! Carambola! — Gritei aos prantos, de joelhos, implorando por clemência.
Hassam Guefrio tirou um envelope do bolso, levantou o abajur ao qual eu estava agarrado, na mesinha de canto, e depositou ali o envelope. Em seguida deu meia volta e desapareceu pelo saguão. Trêmulo, levantei o abajur, peguei o envelope e o abri. Outra mensagem:
“Otimov;
Vamos detonar uma bomba contra ACM. Quando precisar provar alguma coisa, use a lista. Mande relatório para Smov.
O Chefe”
Mais uma vez esse codinome repugnante, principalmente se lido de trás para diante. Detonar uma bomba contra ACM? Quem teria alguma coisa contra a Associação Cristã de Moços!? Quem faria uma maldade dessas? Por que alguém odiaria a ACM? Qual o número que somado indefinidas vezes, terá como resultado um segundo número cuja soma sucessiva de algarismos, terá como resultado o próprio número? Fui até o escritório de Domingos e Feriados com todas essas perguntas. Cheguei lá cansado com tantas perguntas penduradas nos braços, como se tivesse ido ao shopping e saído cheio de compras. Recuperei a lista. Em casa, tomei as últimas providências. A lista está lá no armário, com os biscoitos, um lugar fresco e seco. Como me orientaram — “Quando precisar provar alguma coisa...” —, toda vez que preciso provar algum prato diferente, uso a lista. Já comi vários pedacinhos dela, mas ainda não percebi diferença alguma. Fiz um relatório detalhado do que aconteceu, enfiei num envelope e escrevi o destinatário: Secretaria Municipal de Obras e Viação, Smov. Felizmente, até hoje, a ACM continua intacta. Talvez tenham cancelado os planos.
THE END