Não faz tanto tempo. Ali em 1851 ainda havia dúvidas da rotação da terra sobre seu eixo. León Foucault teve de construir um pêndulo gigante e instalá-lo no Panteão de Paris para demonstrar que o planeta girava em torno de si mesmo. Tudo porque os sábios da academia não admitiam que os cálculos de Foucault estivessem certos. Afinal, eles eram acadêmicos e Foucault, não. Também não podiam admiti-lo como membro da Académie de France pois, se o fizessem, estariam tornando-o um acadêmico e então teriam que aceitar seus cálculos! Aquela bancada de diplomados não conseguia provar o óbvio e também não permitia que alguém provasse, pois o que seria de seu diploma se um leigo fosse mais competente que eles? E Foucault teve que construir seu pêndulo para que vissem que a terra gira em torno de si.
Com isso, fiquei imaginado lá, no começo dos tempos do conhecimento:
— Mestre! Mestre! Veja, descobri que dois mais dois...
O mestre levantou a mão, interrompendo o menino:
— O que é dois, Sissiam?
— Dois é mais que um, mestre.
— E o que é um?
— É mais que nada.
— Sissiam, meu pupilo, aqui a gente conta as coisas com nada, depois vem o mais que nada, depois mais que nada mais mais que nada...
— Eu sei, mestre, até muitos mais que nada que dá a conta dos dedos da mão e depois mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão, e então mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão e do pé...
— Isso mesmo, Sissiam. E depois mais que nada que dá a conta de outro pé, e que dá a conta das orelhas, e que dá a conta do nariz e assim por diante.
— Pois é, mestre, eu sei disso. Mas eu dei nome para o mais que nada. E também para o mais que nada mais mais que nada e assim por diante. Dei nome até para a conta do nariz!
O mestre riu, compreensivo:
— E como seria o nome da conta do nariz, Sissiam?
— Oitenta.
— Ah, sim. E o que você descobriu dando nomes?
— Veja, mestre: descobri que dois mais dois é quatro!
— Muito bom, Sissiam. Agora volte a brincar com os filhotes dos escravos. Não os machuque muito para não ficar sem brinquedos.
— Mas, mestre...
— Vá brincar, Sissiam. Olhe, estou vendo que falta mais que nada filhote de escravo da sua manada.
— É verdade, mestre. Não tinha percebido. Está mesmo faltando um.
— Um é o nome dele?
— Não, mestre. Um é o nome que dei para mais que nada. Mestre! Nós poderíamos contar os escravos com os nomes que inventei! Perderíamos menos escravos!
— Ãããããhhhnnnn, interessante. E como chamaríamos esses nomes que você inventou para mais que nada e mais que nada mais mais que nada e... ufa, isso é cansativo mesmo... daí por diante?
— Números, mestre.
— Números... parece-me bom... e tire o dedo do oitenta, digo, do nariz. Então, comece a me explicar de novo.
— Pois é, mestre. Descobri que dois mais dois é quatro. Quatro é mais que mais que um, mas é menos que a conta dos dedos da mão. Assim fica mais exato, entende?
— Entendo.
— Depois vem o cinco, o seis, o sete...
— Não pode, Sissiam. Você não pode inventar e descobrir coisas porque você não é um mestre. Só mestres podem fazer isso. Nós, os mestres, passamos anos estudando e aprendendo com outros mestres para podermos ser mestres e inventar e descobrir coisas. Você, que ainda é um menino tolo, está estudando comigo, seu mestre. Ensino tudo o que você deve saber. Se um dia for mestre, poderá inventar e descobrir qualquer bobagem que quiser, algo para voar como os pássaros, ou para ouvir as pessoas de outros lugares, qualquer coisa inútil, mas só quando for mestre. Agora, volte a brincar.
O menino saiu cabisbaixo. Já distante ouviu o mestre gritar lá da pedra onde ficava sentado:
— E vá procurar seu filhote de escravo, esse tal de Um!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentar me ajuda!