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quarta-feira, 8 de junho de 2011

Academicismo

(Óscar Fuchs)
Não faz tanto tempo. Ali em 1851 ainda havia dúvidas da rotação da terra sobre seu eixo. León Foucault teve de construir um pêndulo gigante e instalá-lo no Panteão de Paris para demonstrar que o planeta girava em torno de si mesmo. Tudo porque os sábios da academia não admitiam que os cálculos de Foucault estivessem certos. Afinal, eles eram acadêmicos e Foucault, não. Também não podiam admiti-lo como membro da Académie de France pois, se o fizessem, estariam tornando-o um acadêmico e então teriam que aceitar seus cálculos! Aquela bancada de diplomados não conseguia provar o óbvio e também não permitia que alguém provasse, pois o que seria de seu diploma se um leigo fosse mais competente que eles? E Foucault teve que construir seu pêndulo para que vissem que a terra gira em torno de si.
Com isso, fiquei imaginado lá, no começo dos tempos do conhecimento:
— Mestre! Mestre! Veja, descobri que dois mais dois...
O mestre levantou a mão, interrompendo o menino:
— O que é dois, Sissiam?
— Dois é mais que um, mestre.
— E o que é um?
— É mais que nada.
— Sissiam, meu pupilo, aqui a gente conta as coisas com nada, depois vem o mais que nada, depois mais que nada mais mais que nada...
— Eu sei, mestre, até muitos mais que nada que dá a conta dos dedos da mão e depois mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão, e então mais que nada que dá a conta da mão e de outra mão e do pé...
— Isso mesmo, Sissiam. E depois mais que nada que dá a conta de outro pé, e que dá a conta das orelhas, e que dá a conta do nariz e assim por diante.
— Pois é, mestre, eu sei disso. Mas eu dei nome para o mais que nada. E também para o mais que nada mais mais que nada e assim por diante. Dei nome até para a conta do nariz!
O mestre riu, compreensivo:
— E como seria o nome da conta do nariz, Sissiam?
— Oitenta.
— Ah, sim. E o que você descobriu dando nomes?
— Veja, mestre: descobri que dois mais dois é quatro!
— Muito bom, Sissiam. Agora volte a brincar com os filhotes dos escravos. Não os machuque muito para não ficar sem brinquedos.
— Mas, mestre...
— Vá brincar, Sissiam. Olhe, estou vendo que falta mais que nada filhote de escravo da sua manada.
— É verdade, mestre. Não tinha percebido. Está mesmo faltando um.
Um é o nome dele?
— Não, mestre. Um é o nome que dei para mais que nada. Mestre! Nós poderíamos contar os escravos com os nomes que inventei! Perderíamos menos escravos!
— Ãããããhhhnnnn, interessante. E como chamaríamos esses nomes que você inventou para mais que nada e mais que nada mais mais que nada e... ufa, isso é cansativo mesmo... daí por diante?
— Números, mestre.
Números... parece-me bom... e tire o dedo do oitenta, digo, do nariz. Então, comece a me explicar de novo.
— Pois é, mestre. Descobri que dois mais dois é quatro. Quatro é mais que mais que um, mas é menos que a conta dos dedos da mão. Assim fica mais exato, entende?
— Entendo.
— Depois vem o cinco, o seis, o sete...
— Não pode, Sissiam. Você não pode inventar e descobrir coisas porque você não é um mestre. Só mestres podem fazer isso. Nós, os mestres, passamos anos estudando e aprendendo com outros mestres para podermos ser mestres e inventar e descobrir coisas. Você, que ainda é um menino tolo, está estudando comigo, seu mestre. Ensino tudo o que você deve saber. Se um dia for mestre, poderá inventar e descobrir qualquer bobagem que quiser, algo para voar como os pássaros, ou para ouvir as pessoas de outros lugares, qualquer coisa inútil, mas só quando for mestre. Agora, volte a brincar.
O menino saiu cabisbaixo. Já distante ouviu o mestre gritar lá da pedra onde ficava sentado:
— E vá procurar seu filhote de escravo, esse tal de Um!

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