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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Globalização

(Óscar Fuchs)

Os três investidores da França entram na sala do diretor da empresa brasileira. Um após outro,em fila indiana, cumprimentam-no com um aperto de mão e um Bom Dia em inglês.
A secretária bilíngüe — português/espanhol — que os conduzira fica na porta, esperando outras ordens de seu chefe. Os três sentam-se em frente à escrivaninha do diretor. Todos sorriem.
— Café? — pergunta ele aos investidores.
— Café!!! — gritam os três em coro, entusiasmados, levantando-se e fazendo uma hola mexicana.
O diretor usa a única frase em francês que sabe:
— S’il vous plait, Marta.— diz à secretária.
— Pelé!!! — gritam os três saltando das cadeiras e dando um soco no ar.
— Não, não... eu não falei “Pelé”...
— Pelé!!! — repetem entusiasmados, dando socos no ar novamente.
O diretor sorri sem jeito.
— É... a gente logo lembra de gol...
— De Gaulle!!! — gritam os três levantando-se e colocando a mão sobre o peito. Começam a cantar:
— Alons enfants de la patrie...
— ... eu falei s’il vous plait...é “por favor” em francês.
— Pelé!!! — gritam eles.
Irritado, o diretor resmunga entredentes:
— Pelé que se dane!!!
— Zidane!!! – berram os três às gargalhadas, dando chutes numa bola imaginária.
— Meu francês é horrível. Marta, encontre logo esse intérprete antes que essa reunião vire um carnaval!
— Carnaval!!! — os três levantam gritando e ensaiando alguns passos de samba, enquanto batucam nas pastas de relatório.
Confusão geral. Os três cantando ó sole mio em italiano, com ritmo de samba. O diretor tenta sorrir e organizar a reunião.
— Carnaval!!! — gritam eles em festa, afrouxando a gravata.
— Pelo amor de Deus, Marta! O intérprete!
— Não consigo encontrá-lo, senhor. — Diz a secretária enquanto tenta ligar para outro telefone.
— Encontre alguém que fale francês, urgente. Deve haver alguém nessa empresa que fale francês!!!
— O senhor demitiu todos por causa do salário.
— Era o que me faltava, pagar altos salários a alguém só porque fala outra língua! Ache alguém!
— O accounting manager! Eu ví na ficha de admissão dele! — grita ela, eufórica.
— Chame-o já! — vira-se para os investidores e berra feliz — O “menage” vai falar com vocês...”me-na-ge”!
Os três se olham incrédulos e surpresos.
— Menage a trois!? — perguntam.
— “Uí! Uí!” — responde o diretor com seu francês horrível.
Os três agarram a secretária e começam a lhe arrancar as roupas. O gerente contábil chega correndo e pára estupefato, plantando-se à porta. O diretor o pega pelos ombros:
— Graças a Deus, você chegou! Você fala francês, não é?
— Eu!? Nem uma palavra!
— Mas a sua ficha no computador diz que fala!
— Então, o computador mentiu.
— Computadores não mentem!
— Ah! Bem, então eu que menti.
— Tá demitido!
Os investidores estão rolando no chão com a secretária. Ela tenta se desvencilhar, só de calcinha e soutien. O gerente da contabilidade continua ali em pé, à porta, assistindo. O diretor o vê e aponta a fechadura da porta do escritório:
— Tranque! Tranque! Chaves! Chaves!
Os três param de bolinar a secretária repentinamente, como se lembrassem de algo. Olham-se por instantes e gritam ao mesmo tempo:
— Cháves!!! — levantam-se apressados, ajeitando as roupas.
Pegam as pastas e saem correndo.
— Venezuela! Venezuela! — gritam pelos corredores.
O diretor suspira:
— Maldita globalização. Lá vão eles investir na Venezuela.
Da janela ainda pôde ver os três lá embaixo, na calçada. Um imitando um gorila. Outro baixando e levantando os braços, como se batesse asas. O terceiro rastejanto na calçada, como um jacaré. Enquanto isso, o motorista do táxi tentava explicar aos gritos:
— Eu falei ”uma zona! O trânsito está uma zona”!
— Amazônia!!! — gritavam os três imitando animais.
Bem que o diretor achara aqueles franceses muito esquisitos:
— Olhinhos puxados, aquela mania de inclinar a cabeça e dizer arigatô cada vez que a gente fala... — murmurou.