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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Tijolinho de Arquibancada

(Óscar Fuchs)

Para pouca ética, uma filosofada: o poder econômico se apropriou do que é popular (do povo) e passou a vender para o povo o que já era dele! Filosofada, sim, mas vê se não é verdade.

Há apenas alguns anos nada acontecia nas tardes de domingo. Então as pessoas se reuniam e “juntavam” um time de futebol. Ainda não tinham nem campo de futebol, então tratavam de limpar um pasto, tirar os tocos de árvores a muque, tapar os buracos, colocar grama onde não houvesse e fazer as linhas demarcatórias no chão com cal virgem. O comunitário dono da serraria cedia alguns troncos e sarrafos, o gentil carpinteiro montava duas traves de gol e todos levavam no braço até onde deveriam ser instaladas. Espalhava-se a notícia pela região de que surgia um novo time de futebol e logo apareciam vários adversários dos lugares vizinhos propondo matches, jogos de futebol para alegria dos jogadores e diversão do povo nas tardes de domingo. Isso eu fiz.

Em breve o time haveria de ter nome, distintivo e, quiçá, uniforme. Definia-se quais seriam as gloriosas cores do scratch e então a dedicada costureira — via de regra, mãe de um dos atletas — cortava e costurava os panos que a loja de tecidos graciosamente ofertara  para que se fizesse o vistoso uniforme.

Em domingo de estréia de uniforme tinha-se que promover um torneio. Não apenas para exibir e “patentear” as insígnias da agremiação, mas também — e como já fomos humildes e solidários! — para agradecer a todos aqueles rivais que sempre nos apoiaram e ajudaram... no mais das vezes, emprestando a bola número 5 e dando sugestões de como criar um time.

O tal torneio começava às nove da manhã e se estendia até o final da tarde com os times jogando entre si até que saísse um campeão. Não era desmereço o promotor do torneio ficar fora da decisão, afinal estava apenas começando sua trajetória gloriosa. E quando se definia o campeão numa eletrizante partida final — e como já fomos honrados e reconhecidos! — a festa era de todos e todos aplaudiam, parabenizavam e comemoravam, pois foi justo.

Logo havia de trocar o velho e puído uniforme por outro, comprar novas chuteiras e, quiçá, uma nova bola número 5. Já que as pessoas se divertiam assistindo aos matches, nada mais justo que essas pessoas contribuírem para aquisição de novos materiais. Assim, passava-se a cobrar ingresso, um pequeno valor, apenas para as despesas. Ninguém vivia daquilo ou ganhava dinheiro com aquilo. Até aí tudo bem, nada de mais. Mas, daí para diante, vocês já sabem o que aconteceu nas últimas duas décadas.

Os empresários progressistas perceberam e se apossaram da paixão dos torcedores, tomaram conta dos clubes, das federações, fizeram negociatas com outros empresários progressistas e progredimos para a exclusão econômica e social no futebol. O povo foi escorraçado dos estádios, das transmissões das emissoras de TV e, agora, até do radinho de pilha. Sim, porque os jogos às sete e meia da noite nem se pode acompanhar pelo radinho porque no mesmo horário tem A Voz do Brasil, com os grandes feitos de deputados, senadores e outros que se apropriaram da república. Já na TV, para contentar grades de programação, os jogos são lá pelas 10 da noite.

Pelo horário — o torcedor só volta para casa na madrugada! —, pelo preço ou por ser obrigado a ser sócio o povo não pode ir aos estádios. E a TV fechada — que é a única que transmite! — cobra cerca de R$ 75,00 por jogo no pay per view.

Mas, peraí! Ta todo mundo ganhando muito! Os clubes agora têm diretores remunerados, os presidentes de federação e outros cartolas faturam com cotas de patrocínios e marketing até se tornarem milionários, as arbitragens só fazem discursos de indulgência a si mesmos por apitarem mal, mas cobram alto mesmo assim, os técnicos e jogadores recebem salários injustificados para inventarem desculpas para a derrota do time ou arranjam um desconforto muscular para não jogar. E eu pergunto: então era isso que pretendiam quando inventaram a falácia do clube empresa, do futebol profissional, do futebol empresa?

Todos ganham e muito, menos o apaixonado pelo futebol, aquele que gosta do esporte pela disputa, pelo lúdico, o verdadeiro criador e fomentador de todos esses clubes — clubes!? — que estão por aí: o torcedor.

Olha, ainda há futebol de várzea, apesar da tentativa de acabar também com ele. Garanto que lá na várzea nenhum atleta deixará de jogar por causa de uma unha encravada. Imagina um jogador da várzea pedir para não jogar por causa de um desconforto muscular! Lá ninguém recebe uma fortuna e nenhum presidente cobra comissão por marketing, nem marketing tem! Nenhum treinador da várzea tem a sua disposição quarenta jogadores para escolher onze e ainda escolher errado, apesar de ser um especialista na função. Lá na várzea não há repórteres amiguinhos fazendo perguntas amigáveis e puxando o saco dos entrevistados para ter acesso a informações e aos pernas-de-pau, não! Lá eles são cobrados aos gritos por aquele que levou seu tijolinho, colocou no barranco e está sentado nele, assistindo ao jogo. Ele constrói sua própria arquibancada com aquele tijolinho. Lá, basta o jogador errar só um passe de três metros que já vai para o banco de reservas. Como dizia meu treinador:

— Senta lá no banco e fica assistindo. Prefiro jogar com dez que ter você fazendo merda.

Lá na várzea tudo é honesto, ninguém está enganando ninguém para faturar, o craque é craque, o cabeça-de-bagre é esforçado e o juiz é da vizinhança. Já que nos tomaram o que nos pertencia, vamos começar tudo outra vez: pegue seu tijolinho, vá até a várzea e vamos construir uma nova arquibancada, um novo velho e bom futebol.

A filosofada foi longa, já estão batendo à porta, preciso desocupar. Cadê o papel... cadê o papel.... cadê o papel...

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