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quarta-feira, 17 de março de 2010

Dialeto

(Óscar Fuchs)

O amigo dos Estados Unidos fez um curso rápido e superficial, Português para Viagem, antes de vir ao Brasil. Aqui ele andava sempre com um daqueles mini dicionários embaixo do braço. O casal brasileiro, com dois filhos adolescentes, recebeu o estrangeiro e o hospedou. A cada frase ou palavra nova, lá ia Robert folhear o dicionário Português/Inglês, ávido por descobrir que misteriosa consideração estava sendo feita. O pai e o amigo americano conversavam na sala quando Vitória, filha do casal, entrou dizendo que sairia à noite:
— Vamos a um barzinho. — Disse Vitória.
— Como é que você vai? — Perguntou o pai à filha.
— Vou com uma galera. — Respondeu ela.
Robert folheou o dicionário e leu o verbete com seu forte sotaque:
— “Galera: embarcação de guerra, movida a vela ou remos, usada até o século XVIII”.
Depois do entusiasmo pela descoberta, ficou intrigado:
— Vocês ainda usar isso aqui no Brasil? — Perguntou visivelmente confuso.
Todos riram. O pai tentou explicar:
— “Galera” é “uma turma”.
— Uma Thurman! A atriz, essa eu conhecer! Ela estar in Brazil?
— Não, não. Turma, galera.
Turma...turma...turma... — Repetia Robert, procurando em seu dicionário.
— É assim, — tentou explicar Vitória, mastigando chiclete — a gente chama os brody e as gatas, ta ligado?
Robert pegou seu telefone celular e verificou:
— Ligado. Sim, meu telephone estar ligado.
— Pois é. Aí a gente sai pra balada.
balada... balada... balada... — Repetia, folheando o dicionário.
Os amigos riram, se divertindo. Ele arregalou os olhos assustado:
Oh, shit! — Exclamou apavorado. — Vocês dar tiros uns nos outros!?
Gargalhada geral. Dudu, irmão de Vitória, entrou na sala já com a mão estendida:
— Pai, solta uma grana aí.
Grana... grana... grana... — Murmurou Robert.
Money, dólar, cash. — Respondeu Dudu, esfregando o polegar e o indicador.
— Oh, money! Isso eu ter. — Abriu a carteira e deu cinqüenta dólares a cada um dos irmãos.
— Caraca! — Exclamou a filha, examinando a nota.
— Devolvam. — Ordenou o pai.
— O quê? — Perguntaram os dois.
— Devolvam. — Repetiu.
— Pô, pai! Eu ia arrasar! — Disse a filha.
Arrasar... arrasar... arrasar... — Robert encontrou a tradução no dicionário. — Demolir, destruir. Então vocês dar tiros nos outros e depois destruir tudo?
— Devolvam já!
— Que empatação, pai. — Resmungou o filho, estendendo os cinqüenta dólares.
Empatação... — Meditou Robert guardando as notas.
— Tomem, vinte para cada. — Disse o pai dando o dinheiro para os dois.
— Vinte paus? Só isso? — Reclamaram os filhos.
Quando Robert ia folhear o dicionário, o pai se adiantou:
Paus é a moeda. — Explicou.
— A moeda não ser mais o real? — Perguntou o americano boquiaberto.
— Real é a sua, a nossa é imaginária. — Disse o filho irônico.
— Vocês já mudar de moeda de novo? Afinal, agora ser o paus ou o imaginária?
— Esqueça. — Recomendou o pai ao amigo.
Os filhos se despediram do pai e saíram. O americano teclava no celular:
— Eu estar telefonando para meu professor de português nas Estados Unidos. — Disse irritado.
Enquanto o telefone chamava, explicou:
— Aquele bastard me dizer que in Brasil vocês falar português e que não tinha dialetos.
O anfitrião sorriu e tentou acalmá-lo:
— Deixe isso prá lá. Você vai se acostumar.
— Não, não. Never!
— O que ele pode fazer? Nada! — Tentou o brasileiro.
— Ah, pode sim. Vai ter que devolver meus imaginárias!
Uma leve pausa e ele completou:
— ... ou meus paus.

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