(Óscar Fuchs)
-Estive pensando, Iahvéh, acho
que seus seguidores são magrinhos porque não comem carne de porco.
- Ora, Deus, não é bem assim.
Veja o Buda aqui, bem gorduchinho e é vegetariano.
- Pois é. Se comendo só vegetais
já sou assim, fofinho, imagina se comesse carne como os não-budistas.
- Olha o colesterol, Buda!
- Vira essa boca pra lá, Alá.
- O Alá adora quibe cru e tabule.
- Ah, me dá água na boca, Iahvéh:
Quibezinho cru, um pãozinho árabe, um azeite extra virgem... mmm...
- Lembrei agora, Deus, por falar
em “virgem”...
-Nem toque no assunto, Baal.
Erro de tradução: “traduttore, traditore”.
- Bem sei. Estava escrito em
hebraico e só os seguidores de Iahvéh, meus seguidores, entendiam o sentido
real da palavra “virgem”.
- Já o Baal aí entende tudo de
virgens.
- Que é isso, Buda? Acusação
agora? Era só um ritual! Virgens
defloradas no templo de Baal... Também não era bem assim. Pior é Deus aí,
um pai desnaturado que sacrificou o próprio filho.
- Êpa lá, êpa lá! Não me julguem
sem saber de toda a história. Ele é Eu
mesmo, ele é Ele mesmo e ainda é o Espírto Santo. Três vidas! Ele ainda tá
bem no vídeo game.
- Bobagem, ele nem existiu.
- Ô, Iahvéh, não vamos começar de
novo com essa discussão se meu filho
existiu ou não existiu.
- É isso aí, vamos ficar zen. Ponham-se na posição de Buda, como
estou fazendo. Ai! Não consigo mais dobrar a perna, vou ter que perder uns
quilinhos...
- Usa aqueles panos cor de
laranja que teus seguidores usam. Pra esconder as gordurinhas aquilo é uma
maravilha.
- Agora não dá mais, meu amigo
Alá. Já me retrataram assim... e imagem é
tudo. Já falei com os marketeiros, mas eles disseram que...
- Foi o que disseram meus
assessores de marketing.
- É, os meus também.
- E os meus, idem.
- É muito marketing. Dia desses um deles confundiu hindus com budistas. Seria a mesma coisa que confundir judeus com
cristãos só por causa do Velho Testamento. E os seguidores incautos, coitados... são cruéis.
- Mas, pensando bem, eles foram
mais cruéis comigo.
- Acha mesmo, Deus? Por que?
- Ah, Iahvéh, eles resolveram:
vamos retratar Deus! E, pronto: me pintaram com essa túnica branca. Qualquer
pneuzinho na barriga parece um pneu de trator. Se ainda fosse uma cor mais pastel... pelo menos disfarçaria um
pouquinho.
- Alguns de meus seguidores só
usam preto... até o chapéu.
- Básico, pretinho básico! Agora,
sacanagem mesmo, fizeram comigo: gordo desse jeito e me retrataram pelado,
sentado e bochechudo. Não há Buda que convença com essa imagem!
- Ainda bem que não me
retrataram.
- É mesmo. Por que seus
seguidores não te retrataram, Alá?
- Ah, fui esperto. Eu disse a
Maomé: sem retratos! Sem retratos!
Sabe-se lá o que eles inventariam.
- É, eu devia ter feito isso com
meus Cristãos... mas na hora, nem atinei.
- Viram o que fizeram com os
Deuses do Egito? Eu estou pelado e gordo, mas pelo menos ainda sou...
digamos... “normal”. Você está de túnica branca que mostra seus pneuzinhos, mas
pelo menos é “normal”. Porém, aqueles pobres Deuses do Egito...
- Nem me fale. Por isso eu não
quis ser retratado. Misturaram corpo de gente com cabeça de pássaro, corpo de
gente com cabeça de chacal... tem um que tem cabeça de jacaré! Virgem Santa!
- Já pedi para não tocarem nesse
assunto de virgem.
- Desculpe, Deus, saiu sem
querer.
- O Iahvéh também não tem
retrato, tem?
- É, não tenho. Mas, pagando
bem... que mal tem? Desde que não seja retratado como os egípcios, sempre de
perfil... Esse meu nariz adunco não me favorece.
Nesse instante alguém dá três
batidinhas na porta e pergunta:
- Senhor Deus, está tudo bem aí?
- Sim, está.
- É que vos ouvi conversando e...
- Fique tranquilo. Só estava
falando comigo mesmo.
¹ Se preferir, mude o nome de Deus para SEU Deus nos quatro
últimos parágrafos. Dará na mesma, afinal, são todos um só.
² Sugiro a leitura do conto Os nove
trilhões de nomes de Deus, de Arthur C. Clarke, escrito em 1953. (http://letras.cabaladada.org/letras/nove_trilhoes_nomes.pdf)
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