(Óscar Fuchs)
É um mistério.
Apesar de todo nosso conhecimento acumulado, de toda nossa tecnologia, de todas
as contribuições filosóficas da revista Caras,
ainda não sabemos para onde vai aquele meio-comprimido que escapa ao partimos
um comprimido ao meio.
Existem várias
teorias sobre coisas perdidas, desde as que envolvem elfos e duendes até
aquelas que afirmam existir um monstro papa-tudo dentro do sofá da sala.
Formulei minha própria teoria: a do depósito
universal.
Funcionaria
assim: todas as vezes que se achasse um objeto, outro teria que ser perdido em
algum lugar do universo para manter o número exato das coisas perdidas. E vice-versa. Daí viria a lógica de que sempre que você estivesse procurando uma coisa perdida, acabava encontrando outra que já nem lembrava. E tudo
isso seria on line! Perdi a linha de
raciocínio. Ta vendo? Aconteceu de novo.
Já achei a
linha de raciocínio, o que significaria que alguém, nesse momento, estaria
perdendo alguma coisa em algum lugar do universo. Como comprovação da minha
teoria do depósito universal usava o
exemplo do meio-comprimido: toda vez que divido um comprimido, metade dele não
cai ali no centro da cozinha, onde há todo aquele espaço livre, mas em
recônditos lugares inacessíveis. Embaixo do fogão, por exemplo.
E mais, ao
procurar aquele meio-comprimido embaixo do fogão sempre encontro um garfinho de
sobremesa, ou meus óculos de leitura, ou aquela fatia de beterraba que “saltou”
da salada no início do ano. Só nunca encontrei o meio-comprimido.
Entretanto, depois de tantos anos de estudo e observação sobre o sumiço das coisas, minha teoria
do depósito universal evoluiu para
outra que chamo de Fuga Ultra Instintiva
de Inteligência Inerente ou, simplesmente, F.U.I.I.I.!
A fuiii! é mais ou menos assim: segundo
Darwin, tudo é evolução. Pensemos então por quantas transformações já passaram,
desde lá do início das eras, os elementos que compõem aquele meio-comprimido
caído não-se-sabe-onde.
Ora, um
comprimido é composto de matéria, matéria é formada por várias substâncias,
substâncias são a junção de elementos químicos e seus átomos, átomos são
formados por partículas subatômicas, partículas subatômicas são energia,
energia é vida, vida se adapta e se transforma ou desaparece. A ciência já
provou que o átomo tem comportamentos diferentes quando observado ou não, como
se fossem crianças fazendo traquinagens. Só isso já bastaria para comprovar a fuiii!
O fato é que a
evolução dos elementos químicos desse comprimido vem ocorrendo há milhões e
milhões de anos e, tal como acontece com tudo o que tem vida, também o
transformou, também o adaptou: aquele meio-comprimido adquiriu inteligência!
Assim, sempre
que divido um comprimido ele percebe que uma de suas metades será extinta ou
transformada em outra coisa e... Fuiii!,
foge dali para se preservar e garantir a continuidade da sua espécie. No meu
caso, a espécie dos barbitúricos.
Então, se você não encontrar sua
carteira, seus óculos, sua caneta, ou se sumir seu molho de chaves ou seu
controle remoto, ou se deixar cair uma moeda, não pense que foi você que os perdeu, na verdade eles é que fugiram e estão escondidos
num lugar inacessível para você. Pronto, é Fuga
Ultra Instintiva de Inteligência Inerente!
Bolei essa
crônica inteira enquanto estava aqui, com uma régua, futucando embaixo da
geladeira, procurando o maldito meio-comprimido que fugiu. Pelo menos encontrei
o pivô frontal que voou da minha boca há cinco semanas, quando explicava minha
teoria a um amigo:
— Como se
chama sua teoria mesmo? Perguntou ele.
— Fuiii! — ...e lá se foi meu pivô
esconder-se em lugar incerto e descabido.