Como já revelei (ler Os gsepgmolj e Até os gsepgmolj!),
tenho contato com ETs. Os gsepgmolj vieram à Terra fugidos da grande
catástrofe que assolou seu planeta: uma invasão de Carlinhos Browns. Assumiram
a aparência humana e um deles até optou por ter corpo de homem, mas com seios e
bumbum arrebitado. É o primeiro travesti interplanetário do mundo. Viviam em algum
lugar na galáxia a²+b². Não resisti à piada e chutei o nome do planeta:
— Hipotenusa? Há! Há! Há!
— Não, Vrlizov. — Disseram-me, sisudos.
Costumamos nos encontrar no Boteco
do Vandi, aqui embaixo, no meu prédio. Estão sempre ali bebendo
aquela vodka vagabunda do Vandi porque relacionaram o nome dela a seu planeta.
Já há três deles no AA.
Evito ir ao boteco porque sempre vem
um gsepgmolj me importunar com perguntas que não
sei responder: Por que vocês se matam uns aos outros? Vocês veneram o dinheiro
porque é ele o seu deus? A Daniele Winits ta solteira?
Passei a ir disfarçado ao Boteco
do Vandi, mas não deu certo porque eles parecem ter uma visão de raio X.
Deduzi isso dia desses, quando apontaram para minha braguilha e começaram a rir
descontrolados.
Nos últimos dias de 2012 fui ao Boteco
do Vandi e os gsepgmolj estavam lá. Como sou o
único que sabe que são extraterrestres, correram a mim para esclarecer algumas
coisas:
— Terráqueo! Terráqueo! Ajude-nos,
por favor... e tire essa barba postiça ridícula.
O novo disfarce não deu certo e
tirei a barba:
— Ta bem, no que posso ajudar?
Um deles colocou o braço sobre
meus ombros para falar ao meu ouvido. O outro fez o mesmo para se apoiar porque
estava caindo de bêbado.
— Que bagunça é essa no seu
planeta? – Cochichou o da direita.
— Arrrôut! — Arrotou o
outro na minha orelha esquerda.
Percebendo o mal-estar, o da direita
mandou que o outro sentasse. Ele nos abraçou comovido, chorando:
— Nós se amemos... ihc!
... nós semos amigos!
Depois me deu um beijo e
sentou-se.
— De que bagunça você está
falando? — Perguntei ao primeiro.
— Essa
correria, essa loucura, todos indo às lojas, comprando freneticamente... por
que isso?
— Ah, isso? Não é loucura, é o
natal! — Respondi.
— Natal? E o que é natal?
Tentei sintetizar:
— Estamos comemorando porque Deus
teve piedade de nós e...
— Ah, a piedade do dinheiro, é
isso que comemoram?
— O dinheiro não é nosso Deus.
Suspirei e tentei continuar
— Comemoramos a vinda do filho de
Deus...
— O cartão de crédito?
— Hein?
— Se é filho do seu deus dinheiro,
deve ser o cartão de crédito. Vocês comemoram a vinda do...
— Eu já disse que o dinheiro não
é nosso Deus!
Gastei o resto da tarde
explicando a ele tudo o que podia sobre o natal. Não ficou muito satisfeito
porque, segundo ele, ainda restaram algumas lacunas. Por exemplo: como é que
poderia haver uma araucária lá em Belém, num quase deserto do Oriente Médio? E
o pior, como é que Papai Noel entrega todos os presentes na mesma noite, se
enquanto é noite aqui não é noite lá no outro lado do planeta? Concordou que isso
ficasse para depois, o que mais o intrigava era a correria:
— Então, depois acaba a loucura? —
Perguntou.
— Bem, agora vem a festa de réveillon.
— Respondi — Mas isso eu explico outro dia.
— Ta certo, mas... depois desse de
ré vem um, a loucura acaba?
— Depois? Depois... deixa eu
ver... carnaval. Antes disso nós todos vamos pra praia, passamos um ou dois
meses à beira mar, aquilo lá fica uma loucura e...
— Outra loucura?
Dei um sorriso constrangido:
— Não é tanto assim. Mas só
depois da praia vem o carnaval e, aí sim, são quase sete dias de festa, isso vira
uma doideira.
— Doideira... loucura... Terráqueo,
quando é que vocês voltam a ser... digamos... normais?
— Ah, só depois de março. Depois
virá a páscoa, quando celebramos a ressureição, então todos ganharemos ovos de chocolate.
O coelhinho vem e coloca os ovos numa cestinha.
Ele refletiu e perguntou:
— Numa cestinha?
— Sim.
— Coelhinho?
— Isso.
— Colocando ovos?
— Exato.
— Vocês acreditam num coelhinho
colocando ovos numa cestinha?
— Deixa pra lá.
Ele pensou um pouco e voltou com
as perguntas:
— E de quem é a ressureição?
— Do filho de Deus. — Respondi.
— Ah, o cartão de crédito?
Saí sem responder.
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