(Óscar Fuchs)
Chegamos
a João Pessoa lá por 1985, meu amigo Afonso e eu. Qualquer dia conto a aventura
dessa viagem de ônibus através do Brasil, durante quatro dias e três noites.
Desembarcamos
e fomos levados para uma pensão que ficava numa ruazinha de Tambaú. Quando saímos
de Porto Alegre, os familiares recomendaram:
—
Juízo, hein!?
Como
manter o juízo se a pensão ficava a uma quadra da praia, em cima de um boteco,
ao lado de um prostíbulo e a frente de um cassino clandestino? Tivemos que
fazer muito esforço. Embora, talvez, não tenhamos nos esforçado o suficiente.
Logo
no primeiro dia na pensão, uma garota veio até nossa mesa sorrindo e perguntou:
—
Vão querer o quê de almoço?
—
Qualquer coisa. — Respondemos — Arroz, feijão, um bife...
A
garota se chamava Maria do Socorro, era filha da dona da pensão e todos a
chamavam apenas de Socorro. Muitas garotas em João Pessoa eram chamadas de
Socorro.
Afonso
e eu íamos à praia tentando paquerar umas meninas, mas nunca dava certo. Na
areia, planejávamos:
—
A gente podia fingir que está se afogando.
—
Pra quê?
—
O que a gente grita quando está se afogando?
—
Mmmm... Socorro! Socorro!
—
Então, dezenas de Socorros virão nos
salvar!
Também
nunca deu certo.
Voltou
Socorro da cozinha trazendo dois pratos e os colocou sobre a mesa. Pasmei. O
bife era uma posta de carne com a altura de uma tábua e o diâmetro de um livro.
Guri ignorante do Sul — lá do Sul mesmo! —, terra de muita e diversas carnes,
nunca imaginara um bife daqueles no Nordeste.
A
refeição foi incomparável. Tanto que repetimos o prato por cinco dias seguidos!
Mas, no sexto dia, parecia haver algo diferente. Chamamos Socorro:
—
O que é que tem de diferente hoje no bife?
—
Nada, é o mesmo de sempre. — Respondeu.
—
Impossível. — Disse Afonso — Hoje tá enjoativo.
Ela
gritou para a cozinha:
—
Mainha! Botou mais alguma coisa no bife?
—
Não! — Respondeu a dona da pensão.
Ficamos
nos olhando por alguns instantes e retomamos o almoço, mas intrigados.
Convencidos
de que o “mau paladar” fora culpa nossa — talvez o caldinho que consumíramos na
praia na manhã anterior, ou a cachaça que acompanhava o caldinho, ou os dois
combinados, ou até mesmo porque estávamos cheios
de trago! —, na manhã seguinte evitamos o caldinho. A cachaça, não mesmo.
—
Temos que eliminar os elementos um a um. — Justificamos.
E,
ao chegarmos para o almoço, pedimos o mesmo prato de arroz, feijão, um bife...
—
Argh!
—
Vixe! — Disse eu, já incorporando o falar local.
Ainda
enjoativo. Socorro jurou beijando-os-dedos
que era o mesmo de sempre, mas também ela ficou intrigada. Então, como se uma
luz lhe acendesse, abriu seu sorriso simpático e gritou para a cozinha:
—
Ah, mainha! É que eles tão acostumados com carne verde!
Já
tinha visto carne vermelha, carne rósea, carne marrom, carne branca, até carne
amarela, mas... Afonso e eu nos olhamos e perguntamos em uníssono:
—
Carne verde!?
—
É! — Explicou ela — Carne de vaca.
—
Isso aqui não é carne de vaca? — Ainda em uníssono.
—
Não. É de baleia.
Mais
tarde fiquei sabendo que a carne de baleia, por seu alto teor de gordura, pode
se tornar enjoativa, sobretudo para quem não é acostumado. Ainda boquiabertos,
exibindo pedaços de carne de baleia sobre a língua, grunhimos:
—
Mas... onde vocês compram carne de baleia?
—
Cabedelo. — Respondeu Socorro.
Impressionado,
passei a descobrir o que pude sobre a caça às baleias, que ocorreu no porto de
Cabedelo, na Paraíba, até 1987, quando foi proibida.
Hoje,
de volta ao sul há anos, quando amigos se reúnem para um churrasco, todos tentam
se vangloriar da carne mais diferente que comeram:
—
Já comi carne de tatu! — Diz um.
—
Pois, eu já comi carne de capivara! — Diz outro.
—
E eu, que já comi carne de cotia!? — Diz um terceiro.
Um
verdadeiro campeonato, como se fosse uma disputa, uma competição para saber o que
de mais estranho cada um comeu. Depois que todos terminam de arrotar a carne diferente que já
comeram, dou meu lance:
—
Já comeram carne de baleia?
Me
olham boquiabertos e perguntam:
—
De baleia!?
Em uníssono.
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